Orson Welles estava há 10
anos sem filmar nos Estados Unidos quando Charlton Heston conseguiu que fosse
ele o diretor de “A Marca da Maldade”. O próprio Welles reescreveu o roteiro,
além de também atuar e realizar aquele que seria seu último filme em Hollywood.
E que filme! Um marco do gênero policial noir num thriller que subverte a ordem
ao mostrar um investigador mexicano como herói e o vilão sendo o norte-americano
capitão de polícia Hank Quinlan. Interpretado por Orson Welles, Quinlan é uma
figura monstruosa em seu aspecto repugnante e na maldade com que pautou sua vida
como homem da lei corrupto que age numa cidade de fronteira com o México. A
famosa sequência de abertura é apenas um dos grandes momentos desta verdadeira
aula de cinema que é “A Marca da Maldade”, filme que como “Cidadão Kane” deve
ser visto muitas vezes para se descobrir plenamente sua criatividade. Welles
com nariz postiço e mais rotundo que nunca não é o destaque maior do excelente
elenco que tem Heston muito bem e Janet Leigh provocante num tipo que repetiria
em “Psicose”. Ficam para Akim Tamiroff e Joseph Calleia as atuações mais
relevantes desta obra-prima do talentoso Welles. 10/10
Fred Zinnemann tinha predileção
por personagens fortemente determinados que não abriam mão de seus princípios
mesmo quando submetidos aos desígnios de poderosos sem escrúpulos. Assim foram Will
Kane, Sir Thomas Moore e o soldado Robert E. Lee Prewitt, este de “A Um
Passo da Eternidade”. As mais de 800 páginas do best-seller de James Jones que escancarou
as mazelas do militarismo foram transformadas num filme de 118 minutos que igualmente
denunciou que ser soldado não significava apenas a possibilidade de voltar da
guerra com o peito coberto de medalhas. Para poder filmar o livro a Columbia teve
que atenuar ou omitir passagens, mas estão neste corajoso filme, tão forte
quanto amargo, a crueldade cercada pelos muros do quartel de uma base aérea no
Havaí em 1941, às vésperas do ataque a Pearl Harbor. “A Um Passo da Eternidade”
arrebatou cinco prêmios Oscar, ignorando a extraordinária interpretação de
Montgomery Clift que humilhou Burt Lancaster e Frank Sinatra (boa atuação, mas
não para o prêmio que recebeu). Deborah Kerr inteiramente fora da personagem da
esposa adúltera (por onde andava Lana Turner?) e Donna Reed (outra premiação equivocada).
O tempo não fez muito bem a “A Um Passo da Eternidade” que hoje impressiona
muito menos que décadas atrás, sem deixar de ser um grande filme. 8/10
Insatisfeito com a
interpretação de Katharine Hepburn em “Levada da Breca”, Howard Hawks a chamou
num canto e disse: ‘Kate, nem Buster
Keaton, Chaplin ou Harold Lloyd sorriem quando atuam; a graça deles vem das
situações nas quais se envolvem’. A atriz, em sua primeira comédia, mudou
o estilo de atuar e o resultado foi uma de suas mais memoráveis performances
como a rica herdeira que se apaixona pelo jovem e tímido paleontólogo interpretado
por Cary Grant. Do início ao fim o casal se envolve em confusões com ‘Baby’,
um leopardo e ‘George’, um cão, além de muitos outros tipos atrapalhados. Grant
faz uso pela primeira vez no cinema da expressão ‘gay’ com o sentido que ela
possui atualmente e a sequência em que ele tenta esconder o vestido rasgado de
Kate é antológica. E é a deliciosa, anárquica e esfuziante Kate quem conquista
Grant, Baby, George e o público. Considerada uma exemplar ‘screwball comedy’ esta
comédia nem sempre teve status de clássica, mesmo porque foi um fracasso de
bilheteria e deu grande prejuízo à RKO. Peter Bogdanovich foi quem primeiro
afirmou que o alucinado filme de Hawks era uma obra-prima e inspiração para seu
“Esta Pequena é uma Parada” em 1972. 8/10
Filmes com elencos compostos
exclusivamente por negros sempre fracassaram nas bilheterias e nada
indicava que Hollywood voltasse a produções desse tipo. Mas eis que o austro-húngaro
Otto Preminger convenceu a 20th Century-Fox a produzir um musical só com negros
no elenco. Mais surpreendente ainda é que o filme seria uma versão da ópera “Carmen”,
de Georges Bizet, aproveitando a adaptação feita para a Broadway em 1943 com
letras de Oscar Hammerstein II. A cigana Carmen passa a ser uma mulata
irrequieta e atrevida que conquista o cabo da Força Aérea Joe e o trai com o
campeão de boxe Husky Miller, com a história transferida para os tempos da II
Grande Guerra. Como não poderia deixar de ser essa ‘subversão’ foi boicotada
nos Estados Unidos, fazendo no entanto sucesso e sendo bastante premiada na
Europa, menos na França, onde foi proibida. “Carmen Jones” teve brilhante
direção e foi admiravelmente interpretado por Dorothy Dandridge e Harry
Belafonte, ambos dublados nas sensacionais canções. “La Habanera” virou “Dat’s
Love” e “Toreador” ficou sendo “Stan’ up an’ Fight”, alguns dos destaques da
esplêndida trilha musical. O trágico desfecho é pura emoção e Dorothy só não se
tornou uma das maiores estrelas de seu tempo porque era negra. Por sua
deslumbrante atuação foi indicada ao Oscar, mas a Academia preferiu a loura
Grace Kelly. 9/10
Tido e havido como o
primeiro western do cinema norte-americano simpático aos índios, adveio desse
fato a fama maior de “Flechas de Fogo”. Fama por sinal discutível já que “A
Passagem do Diabo” (Devil’s Doorway), de Anthony Mann e também favorável aos
nativos, foi rodado em 1949. E antes disso Mestre John Ford já havia, em “Sangue
de Heróis” (Fort Apache), mostrado que os índios mereciam respeito e não só
serem dizimados pela Cavalaria. Neste seu primeiro western Delmer Daves privilegiou
o tema principal realizando um filme sem muita ação mas que ousadamente discute
até a aceitação de casamento entre brancos e índios, se bem que James Stewart aos
42 anos está longe do par ideal para a adolescente Debra Paget então com 16
aninhos. Jeff Chandler com seu estilo característico de interpretação
impassível foi inacreditavelmente indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante ao
viver Cochise pela primeira vez. Jay Silverheels como ‘Jerônimo’ mostra que
tinha mais talento interpretativo que Chandler. Albert Maltz, um dos dez da
Lista Negra do Macarthismo foi um dos roteiristas de “Flechas de Fogo”, western
que após a onda revisionista parece até ingênuo, mas que em 1950 chocou os espectadores
que acreditavam que ‘índio bom é índio morto’. 7/10
Longe de ser uma
obra-prima, “Gilda” é uma das melhores definições do tão discutido termo ‘filme
clássico’. Fez de Rita Hayworth a mulher mais desejada do mundo naqueles tempos
e centenas e centenas de bebês, inclusive no Brasil receberam o nome ‘Gilda’ ao
nascer. Até uma bomba foi assim chamada. Por aqui Gilda virou marchinha de
Carnaval e o filme dirigido por Charles Vidor reunindo Rita e Glenn Ford foi um
enorme sucesso de bilheteria. Pela primeira vez no cinema vimos uma câmara perdidamente
apaixonada por uma atriz, seduzida por seus olhares, trejeitos e arrebatadora
beleza. Rita dançando e cantando (foi dublada, todos sabemos) “Put the Blame on
Mame” e “Amore Mio” são desses momentos eternos do cinema. Ah sim, o filme é um
arremedo de “Casablanca” sem o charme, trama e diálogos inteligentes deste e também
porque Glenn Ford não é Humphrey Bogart e Charles Vidor não é Michael Curtiz. Frases
bizarras ditas pelos personagens chegam a fazer rir num filme misógino com dois
homens enamorados um pelo outro desprezando o monumento que é Gilda. O grotesco
final de tão inadequado parece ter sido escrito pelo censor do Código Hays. Mas
se em “Casablanca” Ilse e Rick tiveram Paris, em “Gilda” o cinema teve Rita
Hayworth deslumbrantemente esplendorosa e por isso “Gilda” é sim, um clássico. 7/10
Um dos mais bem sucedidos
diretores norte-americanos, Blake Edwards é sempre lembrado pela querida série ‘Pantera
Cor-de-Rosa’ com o impagável Inspetor Closeau. Mas são de Edwards também as comédias
“Victor ou Victoria”, “Um Convidado Bem Trapalhão”, “A Corrida do Século” e “Anáguas
a Bordo”, bem como a comédia romântica “Bonequinha de Luxo” e o drama “Vício
Maldito”. Menos conhecido é o suspense “Escravas do Medo”, feito num tempo em
que as séries policiais rivalizavam com os faroestes na TV norte-americana. Assistido
hoje este filme de Edwards perdeu um pouco do impacto, ainda que seja um
absorvente thriller no qual Glenn Ford quase nada faz deixando espaço para Ross
Martin brilhar como o assassino asmático que aterroriza as belas Lee Remick e
Stephanie Powers. Afinal, o que torna então “Escravas do Medo” imperdível? Uma
das mais profícuas parcerias do cinema foi formada por Blake Edwards com Henry
Mancini e para este filme Mancini compôs uma trilha nada menos que
extraordinária, uma das melhores de sua admirável carreira como compositor. A
trilha vale o thriller e melhor que isso só ouvir o álbum inteiro, não é mesmo, José
Flávio Mantoani? 7/10
Já houve quem, com certo
exagero, dissesse que Preston Sturges foi mais importante para o cinema
norte-americano que Orson Welles. E não é que então surge Peter Bogdanovich e
afirma que os seus cinco filmes preferidos são “Suprema Conquista” (Howard Hawks),
“Cupido é Moleque Teimoso” (Leo McCarey), “French Can Can” (Jean Renoir), “Papai
por Acaso” e “As Três Noites de Eva”, estes dois últimos de quem mesmo? Acertou
quem pensou em Preston Sturges! “As Três Noites de Eva” é uma comédia romântica
e sofisticada do gênero muito em voga nos anos 30 e 40 chamado ‘Screwball
Comedy’ ou comédia maluca para nós, invariavelmente com uma mulher agitada no
centro de toda a trama. Barbara Stanwyck é a vigarista que pretende conquistar
o rico herdeiro Henry Fonda, por quem acaba apaixonada num filme repleto de
diálogos saborosíssimos (do também roteirista Preston Sturges) e com situações que
se sucedem cada vez mais engraçadas até o desfecho feliz. Feliz mas que
comprova que Eva com magnetismo, graça e beleza subjuga o homem. E essa Eva
(Eve) é Barbara Stanwyck bonita, divertida e fascinante como o cinema nunca a
havia mostrado. Fonda e um grupo seleto de coadjuvantes (Eugene Palette,
Charles Coburn, William Demarest e outros) ajudam a dar mais classe ainda a
esta joia de comédia. 8/10
Quando foi lançada a versão
norte-americana de “Perfume de Mulher”, com Al Pacino, praticamente todos os
críticos compararam negativamente esse filme com o original italiano dirigido
por Dino Risi. E lembraram que Vittorio Gassman como o aposentado capitão cego com
o braço esquerdo mutilado teve uma daquelas atuações impossíveis de serem
superadas. Mas como poderia Hollywood ao menos igualar este que é um dos
melhores filmes de Dino Risi, menos engraçado que “Aquele que Sabe Viver” mas
tão tragicômico como este? Ficou provado que certo tipo de cinema não se adequa
ao comercialismo de Hollywood. Com “Perfume de Mulher” Risi se equilibra
soberbamente entre o drama e a farsa criando um personagem que tenta esconder
com seu sarcasmo e arrogância a amargura de sua vulnerabilidade que ele não
aceita. A única saída é a morte mas diante dela Fausto se mostra não o leão que
simulava ser, mas um homem fraco e titubeante. A primeira metade de “Perfume de
Mulher” é primorosa, caindo no final especialmente pela presença da bela jovem
apaixonada e rejeitada por Fausto quando o mais correto seria uma mulher mais
madura para servir-lhe do amparo que ele nunca aceitou. Alessandro Momo, que
interpreta o ajudante de Gassman, faleceu antes de completar 18 anos e antes do
filme ser lançado em 1974. 8/10
Anselmo Duarte costumava
afirmar que seu melhor filme era “Quelé do Pajeú” e poucos podiam contestar
essa discutível opinião. Isso porque alguns anos após seu lançamento o filme
simplesmente desapareceu, numa das mais lamentáveis incúrias do cinema brasileiro.
“Quelé do Pajeú” passou para a categoria de lenda cinematográfica e somente os
críticos e espectadores mais velhos, ao redor dos 70 anos de idade e que o
viram nos cinemas, podiam falar do filme. Mais de 40 anos depois uma cópia
legendada em Italiano foi descoberta na Europa, fato que pode ser considerado o
mais importante do cinema brasileiro nos últimos tempos. Lima Barreto escreveu
a história e roteiro que acabou sendo bastante alterado por Anselmo Duarte que
a isso chamou de ‘roteiro adaptado’, filmando-o em Salto de Itú naquela que foi
uma das mais caras produções do cinema brasileiro, com requintes de 70 mm e som
estereofônico. O resultado foi um excelente ‘nordestern’, com muita ação,
romance, sensualidade e algumas sequências verdadeiramente antológicas. Tarcísio
Meira é o protagonista e Jece Valadão o vilão que Quelé persegue em busca de
vingança em sua odisseia pelo sertão em luta constante entre as volantes e o
bando de Lampião. Não só pelo fato da descoberta da cópia, mas e principalmente
por ser outro grande filme de Anselmo Duarte “Quelé do Pajeú” é fundamental
para quem ama o cinema. Resenha completa no blog Westerncinemania. 8/10