terça-feira, 31 de outubro de 2017

SETE NOIVAS PARA SETE IRMÃOS (Seven Brides for Seven Brothers), 1954


O maior problema dos musicais é fazer o espectador manter o interesse na história que é concebida para exibir números cantados e/ou dançados. Quando o roteiro, mesmo recheado de canções envolve e cativa o público é porque esse filme extrapolou os limites do gênero. É o que acontece com este radiante musical da Metro dirigido por Stanley Donen e coreografado magnificamente por Michael Kidd. Se as canções de Gene de Paul com letras de Johnny Mercer não se tornaram imortais como as de outros musicais, as danças que mesclam balé com acrobacias plenas de energia se tornaram antológicas. Entre estas a “House-Raising Dance” (com disputa entre os grupos rivais) e a maravilhosamente singela “Lonesome Polecat”. Baseado no episódio “O Rapto das Sabinas” narrado por Plutarco, seis rudes irmãos fazendeiros do Oregon, em 1850, são domados pela cunhada Milly (Jane Powell) casada com o irmão mais velho Adam (Howard Keel). Desesperados pela falta de namoradas os irmãos pioneiros raptam seis belas moças da cidade e no momento mais hilariante do filme todas afirmam serem mães do bebê de Milly. Dalton Trumbo lembrou-se disso na famosa sequência em que pergunta: “Quem é Spartacus?” no épico de Stanley Kubrick. Jane Powell formidável supera Howard Keel mesmo com seu vozeirão no mais machista dos musicais. 10/10





domingo, 29 de outubro de 2017

ALMAS PERVERSAS (Scarlet Street), 1945


Fritz Lang praticamente refilmou sequência a sequência “A Cadela”, drama de Jean Renoir de 1931, ao recontar a história do homem medíocre com talento oculto de pintor que se envolve com uma prostituta e seu gigolô. No entanto o alemão realizou um filme original para os padrões noir ao reunir o trio que dirigira um ano antes no clássico “Um Retrato de Mulher”. Não há o detetive charmoso, mas sim o patético contador de meia-idade (Edward G. Robinson) enquanto a despudorada mulher fatal (Joan Bennett) se humilha e se compraz a cada tapa que leva do rufião (Dan Duryea). Lang dá ao personagem do contador-pintor uma carga de humanidade rara no gênero mais ainda com o excepcional desempenho de Robinson, na mesma proporção em que cria as almas perversas do apropriado título nacional. Duryea deixa de lado seu estilo característico de psicopata dando lugar ao violento explorador que se vê acusado de um crime que não cometeu. Joan Bennett sedutora como a oportunista que se faz passar por pintora. Os aspectos psicológicos de “Almas Perversas” são realçados pela magnífica fotografia que Milton Krasner consegue com as composições expressionistas de Fritz Lang concebidas todas em estúdio. O final diferente do filme de Renoir não é exatamente inspirado, ainda que melancólico como deveria ser. 9/10




quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O IMPERADOR DO NORTE (Emperor of the North), 1973


Filme estrelado por Lee Marvin é sempre imperdível e quando na companhia de Ernest Borgnine ai então se torna imprescindível. Lee Marvin e Ernest Borgnine atuaram juntos em seis filmes sendo este dirigido por Robert Aldrich aquele em que melhor puderam confrontar seus talentos interpretando tipos brutais, os seus preferidos.  Borgnine é ‘Shack’ o temido chefe do ‘Trem n.º 19’, no qual vagabundo nenhum viaja clandestinamente, o que era comum no pior momento da depressão (1933) quando se passa a história. ‘Shack’ é desafiado por ‘Number One’ (Marvin) que pretende completar a viagem até Portland. O encontro, um dos mais violentos do cinema, se dá sobre um vagão de carga no clímax de um filme que não economiza na selvageria dos personagens principais. A tudo assiste o jovem ‘Cigaret’ (Keith Carradine), pretenso impostor que quer ser o herdeiro de ‘Number One’. Sam Peckinpah desistiu de dirigir e Aldrich mostrou que estava à altura de um filme que chocou quando foi exibido. Marvin contido mas perfeito, como de hábito, enquanto Borgnine se mostra insuperável quando é para ser sádico. 8/10 - Cópia gentilmente cedida pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.





domingo, 22 de outubro de 2017

TARDE DEMAIS PARA ESQUECER (An Affair to Remember), 1957


Eleito pelo American Film Institute como o 5.º melhor filme romântico de todos os tempos, esta história de amor ainda deve agradar aos românticos incuráveis. Refilmagem de “Duas Vidas”, que o próprio Leo McCarey havia filmado em 1939, “Tarde Demais para Esquecer” abusa do sentimentalismo que o diretor utilizou em seus filmes mais festejados dos anos 40. Desta vez McCarey busca atingir a sensibilidade dos eternos apaixonados ao contar como Cary Grant e Deborah Kerr sofrem até o doloroso reencontro. Quem aceitar Cary Grant como um artista-pintor nas horas vagas em que deixa de ser irresistível playboy e ainda a suave Deborah Kerr como cantora de night-club não terá problemas em encharcar lenços com o final tão meloso quanto forçado. McCarey que muito fez rir dirigindo Laurel & Hardy, os Irmãos Marx (em seu melhor momento) e ainda Harold Lloyd escreveu a história, roteiro (com Delmer Daves) e ainda a letra da canção que fez enorme sucesso e perdeu o Oscar de Melhor Canção para “All the Way”. A sempre magnífica Deborah Kerr em momento menor foi dublada nas canções pela bela voz de Marni Nixon que já a dublara em “O Rei e Eu”, enquanto Cary Grant (aos 53 anos) está maduro demais. “Sintonia de Amor” (1993) que se baseou na mesma história é em tudo superior ao filme de McCarey. - 6/10




terça-feira, 17 de outubro de 2017

FUGA DO PASSADO (Out of the Past), 1947


Muito apropriadamente Mestre A.C. Gomes de Mattos afirmou que “Fuga do Passado” é um verdadeiro manancial de elementos noirs. Nesta obra-prima do gênero as reviravoltas do roteiro com inúmeras traições se sucedem interminavelmente levando o espectador menos atento a ter dificuldade em acompanhar a trama, como bem confessou o crítico do ‘New York Times’ Bosley Crowther. Mesmo com esses elementos comuns a um filme noir, “Fuga do Passado” é a exata confluência de roteiro inteligente, cinematografia preciosa sem preciosismo, direção sem excessos e elenco impecável. Bob Mitchum é um ex-detetive que se vê às voltas com Jane Greer, a irresistível ex-mulher do gângster Kirk Douglas. Boa parte do filme se passa em cenários abertos da Califórnia e Acapulco, mas as sequências em ambientes fechados primorosamente iluminadas pelo cinegrafista Nicholas Musuraca é o ponto alto deste que é o melhor filme de Jacques Tourneur. O roteiro final é de Frank Fenton, que não foi creditado. Primeiro filme de Robert Mitchum como astro principal com atuação fascinante como detetive particular viril e ao mesmo tempo vulnerável. A fraqueza dele fica por conta de Jane Greer, a mais angelical mulher fatal do cinema. Kirk Douglas aqui como coadjuvante tenta o impossível que é roubar as cenas de Mitchum. 10/10 - Cópia gentilmente cedida pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.





quarta-feira, 11 de outubro de 2017

PEQUENO GRANDE HOMEM (Little Big Man), 1970


Jack Crabb, um jovem branco adotado pelos Cheyennes de quem recebeu o nome de nativo de ‘Little Big Man’, viveu por 121 anos nesta história de Thomas Berger levada ao cinema por Arthur Penn. Crabb narra a um historiador fatos de sua vida, como se tornou filho adotivo do chefe ‘Old Lodge Skins’, se tornou amigo de Wild Bill Hickok, conheceu Buffalo Bill e por pouco não matou o General Custer. Sob o comando deste, Crabb/Little Big Man foi o único sobrevivente em Little Big Horn, tendo presenciado ainda o massacre de Wishita River. Arthur Penn faz uso da onipresença do personagem para o mais profundo revisionismo dos mitos do velho Oeste. Dividido em capítulos desiguais, alguns mais sarcásticos, outros trágicos, o massacre de Wishita River é o grande momento deste western, massacre à época entendido como referência à matança de MyLai ocorrido dois anos antes na Guerra do Vietnã. Dustin Hoffman é Jack Crabb, com sua eterna aparência jovem, assistindo ao magnífico trabalho de Chief Dan George, primeiro nativo a interpretar um personagem importante num western e chegando a ser indicado para o Oscar. Faye Dunnaway inesquecível no lúbrico banho que dá em Jack Crabb. Jeff Corey é Hickok e Richard Mulligan o desvairado Custer. Grande sucesso de bilheteria, o que é incomum para um faroeste desmistificador como este. 8/10





segunda-feira, 9 de outubro de 2017

MEU TIO (Mon Oncle), 1958


Jacques Tati fez apenas cinco longa-metragens em sua carreira como diretor e “Meu Tio” é considerada sua obra-prima. Esta comédia recebeu diversos prêmios internacionais, inclusive o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Tati foi comparado aos gênios da comédia como Chaplin e Buster Keaton. A ‘invenção’ de Jacques Tati nas trapalhadas de seu personagem Monsieur Hulot é fazer o mínimo uso de diálogos buscando o humor puramente visual completado com música e emprego insistente de ruídos. Aqui o desengonçado Hulot, sempre carregando seu guarda-chuva, é um estorvo na vida de seu cunhado (Jean-Pierre Zola), homem bem sucedido cuja casa é um conjunto de máquinas inteiramente automatizadas. Tati mira sua crítica na frieza da vida mecanizada e numa sequência vital um amigo de Hulot é aplaudido por ter corrigido com ferramentas comuns um erro de um aparelho. A figura de Monsieur Hulot é mais engraçada do que as confusões que sua estupidez provoca, assim como “Meu Tio” e Tati foram, ambos, superestimados. Riso aberto mesmo acontece sempre que o dachshund ‘Daki’ entra em cena. As gags com o automatismo repetem-se à exaustão, além de explícitas demais. 1958 não foi o melhor dos anos para filmes de língua não-inglesa, mas “Os Eternos Desconhecidos” faz rir só de lembrar o inepto bando de ladrões, perdendo o Oscar para “Meu Tio”. 6/10



domingo, 8 de outubro de 2017

CADA UM VIVE COMO QUER (Five Easy Pieces), 1970


Woody Allen sempre perseguiu o sonho de fazer um filme bergmaniano em Hollywood mas foi Bob Rafelson quem mais próximo chegou do mestre sueco com este drama. Uma tevê no começo de “Cada Um Vive Como Quer” exibe “Do Mundo Nada Se Leva”, o que erroneamente pode levar a pensar que o otimismo da comédia de Frank Capra seja a tônica desta extraordinária película realizada em 1970. Após se tornar conhecido com “Sem Destino” Jack Nicholson impressionou crítica e público ao interpretar Robert Eroica Dupea, um homem desajustado que abandona a promissora vida de pianista para trabalhar em uma refinaria de petróleo. Vivendo com uma garçonete (Karen Black) que sonha vir a ser uma nova Tammy Winette, Robert volta à casa do pai para confirmar que aquele não é seu mundo, mesmo sem saber se há algum lugar e pessoas com quem ele possa se entender. Filme denso mesmo sem ter uma história para contar e que como nenhum outro narra os conflitos pessoais de um homem em busca de sua individualidade. Nicholson se tornou o maior astro de seu tempo mas jamais superou seu brilhante desempenho como o instável Robert Dupea. Karen Black magnífica como a patética garçonete e presença marcante também da lindíssima Susan Anspach. Bob Rafelson refilmou “O Destino Bate à Porta”, mas este é não só seu grande filme como um dos melhores dos anos 70. 10/10 - Cópia gentilmente cedida pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.




sexta-feira, 6 de outubro de 2017

CHAGA DE FOGO (Detective Story), 1951


William Wyler assistiu a uma das 600 apresentações na Broadway da peça “Detective Story” e logo pensou: “Vai dar um bom filme”. Porém transferir as limitações de uma encenação para o cinema não é tarefa das mais fáceis, menos para este grande cineasta. Wyler optou por fazer o filme com toda a ação passada dentro do 21.º Distrito de Polícia de Nova York, como na peça, e aquilo que poderia ser claustrofóbico nas mãos de um diretor qualquer resultou num drama intenso em cada um dos 103 minutos de duração. Kirk Douglas é o rígido detetive que não transige no cumprimento da lei, no caso, colocar na cadeia um médico que pratica abortos. Paralelamente outras histórias se passam dentro do distrito policial, cada uma delas envolvendo inteiramente o espectador. Lee Grant em seu primeiro filme, como uma jovem ladra, observa todas as ocorrências e os mais diversos tipos que passam pela delegacia (George Stevens emulou esse personagem com o garotinho de “Shane”). Kirk Douglas que tem uma de suas mais excepcionais atuações como o amargurado policial, nem lembrado foi para o Oscar num filme que teve quatro indicações (Direção, Roteiro e as atrizes Lee Grant e Eleanor Parker). Joseph Wiseman em início de carreira é o alucinado ladrão homicida. 9/10 - Cópia gentilmente cedida pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.




quarta-feira, 4 de outubro de 2017

RUMO AO INFERNO (The Narrow Margin), 1952


Pode uma produção B de apenas 72 minutos ter sua história indicada para o Oscar da categoria? Foi o que aconteceu com este policial noir de Richard Fleischer filmado em 13 dias, que ficou dois anos esperando por seu lançamento e se tornou a maior bilheteria da RKO naquele ano mesmo sem nenhuma estrela em seu elenco. Após assisti-lo Howard Hughes queria refilmá-lo com Robert Mitchum como o policial que tem a missão de levar a esposa de um mafioso de Chicago para Los Angeles, numa viagem de trem. Uma nova versão da eletrizante história escrita por Earl Felton só veio a ocorrer em 1990 com Gene Hackman no papel de Charles McGraw. Uma inesperada mudança dá mais sabor à ação com a personagem de Marie Windsor ganhando maior importância neste que foi outro de seus belos trabalhos no cinema. Não há música incidental durante o filme, o que não prejudica a tensão que aumenta a cada instante e embora quase toda a ação transcorra dentro de um trem, o filme foi engenhosamente concebido por Richard Fleischer. Atenção para a engraçada e enigmática figura do gordo Paul Maxey. Tipo de filme que extrapola a condição de complemento do filme principal nos saudosos programas duplos dos cinemas. 9/10 - Cópia gentilmente cedida pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.




domingo, 1 de outubro de 2017

O DESTINO BATE À PORTA (The Postman Always Rings Twice), 1946


Barbara Stanwyck pode ter sido a mulher fatal mais impressionante dos dramas noir ao interpretar Phyllis Dietrichson. Nenhuma outra atriz, no entanto, foi mais sexy e provocou mais desejos que Lana Turner como a esposa infiel de Cecil Kellaway que trama a morte do marido com o amante John Garfield em “O Destino Bate à Porta”. Escrito pelo mesmo James M. Cain, autor especialista em histórias com mulheres adúlteras e assassinatos, este drama se desenvolve numa incrível tensão sexual em sua primeira e fascinante primeira metade. As inúmeras e inesperadas mudanças que se sucedem tornam o filme de Tay Garnett eletrizante mesmo quando deriva para mera história policial. O único senão do roteiro é a permissividade do velho marido (uma quase cumplicidade), que bem poderia ser evitada. À exceção de Lana Turner nunca mais linda, sensual e boa atriz, todo o elenco é composto por atores distante do padrão de elegância e beleza que Hollywood costumava apresentar. Mesmo porque a história se passa em um modesto posto de gasolina-restaurante de beira de estrada. Cecil Kellaway excelente e John Garfield muito bom completam o triângulo amoroso, este capaz de espancar o fortíssimo Alan Reed... Ainda no elenco Hume Cronyn como um sagaz e nada ganancioso advogado. Clássico absoluto do gênero. 9/10 - Cópia gentilmente cedida pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.