segunda-feira, 29 de outubro de 2018

UM HOMEM DIFÍCIL DE MATAR (Monte Walsh), 1970


Esse ridículo título nacional não faz jus a um dos mais poéticos e melancólicos westerns crepusculares. Monte Walsh (Lee Marvin) e Chet Rollins (Jack Palance) são dois cowboys que se deparam com as mudanças que os tornam desnecessários para conduzir gado que agora viaja pela ferrovia. “Ninguém pode ser cowboy para sempre”, diz o conformado Chet que se casa e vira balconista. A pequena Harmony vê todos partirem, tornando-se uma cidade-fantasma e mesmo a prostituta Martine (Jeanne Moreau) se muda do lugar. O sombrio horizonte deixa Monte Walsh perdido mas o velho vaqueiro não se entrega porque o que ele gosta de ser é cowboy e mais nada. A vida dos vaqueiros com a camaradagem entre eles mesmo sabedores da falta de opções que se avizinha com a forçada mudança de vida é narrada de forma elegíaca nesta brilhante estreia do cinegrafista William A. Fraker. Sua direção evoca a cada quadro as pinturas de Frederic Remington e Charles M. Russell. Não exigido a mostrar apenas sua autoritária presença, Lee Marvin comprova que é um ator excepcional contracenando com uma Jeanne Moreau bela e fascinante nesse encontro memorável dos dois grandes intérpretes. Jack Palance discreto neste quarto filme que fez com Marvin. Western com poucos momentos de ação, o melhor deles quando Monte Walsh doma um cavalo selvagem numa longa e vigorosa sequência noturna. 8/10
Cópia gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Thomaz Antônio de Freitas.




sexta-feira, 26 de outubro de 2018

CONFLITOS DE AMOR (La Ronde), 1950


O amor foi o tema preferido do cineasta alemão Max Ophuls, sentimento que em seus filmes ele tratou com delicadeza e elegância. Neste “Conflitos de Amor”, realizado em episódios e passado na Viena de 1900, Ophuls acrescentou uma dose sutil de mordacidade ao descrever como o amor percorre todos os segmentos da sociedade. Interagem personagens humildes e mesmo da nobreza, numa harmoniosa e lúbrica ronda romântica. O misterioso e onipresente narrador (Anton Walbrook) faz o carrossel girar apresentando os dez amantes que passam pelas muitas alcovas. O mais longo e mais delicioso dos episódios é protagonizado pela encantadora Danielle Darrieux, adúltera e ao mesmo tempo traída pelo aborrecido marido. Simone Signoret é uma afetuosa prostituta que passa pelos braços de um galante Gérard Philipe. Ao som de ‘La Ronde de l’Amour’, de Oscar Straus, a câmara de Max Ophuls, como um voyeur, procura ângulos inusitados para melhor observar os encontros apaixonados. Essa intensa movimentação de câmara, no entanto, torna-se por momentos um tanto cansativa. Além dos citados, o elenco traz nomes importantes do cinema francês como Simone Simon, Jean-Louis Barrault, Serge Reggiani e ainda a bela italiana Isa Miranda. Essa ronda do amor vale especialmente pela presença de Danielle Darrieux, irresistível na sua sensual meiguice. 7/10




domingo, 21 de outubro de 2018

ABSOLUTAMENTE CERTO!, 1957


Anselmo Duarte era considerado o grande galã do cinema nacional mas sonhava dirigir filmes após os anos como ator na Atlântida e Vera Cruz. Oswaldo Massaini foi quem deu a Anselmo a oportunidade de se lançar como diretor com uma história policial da dupla Jorge Dória-Jorge Ileli. O próprio Anselmo fez o roteiro com cunho menos policialesco e mais voltado para as antigas chanchadas ainda tão ao gosto do público. Anselmo sabia bem o que estava fazendo ao narrar como Zé do Lino (ele mesmo), um modesto linotipista com prodigiosa memória participa de um programa de TV aos moldes de “O Céu é o Limite”. A máfia do boxe vê ali uma oportunidade de diversificar suas atividades com apostas fraudulentas que envolveriam o honesto Zé do Lino. Este, juntamente com outros gráficos e mais o campeão de boxe Paulo de Jesus, vence a quadrilha. Anselmo demonstra o domínio da linguagem cinematográfica com tomadas de câmera inventivas e ritmo perfeito entre as sequências cômicas e as de ação. Certo que há os inevitáveis números musicais, ainda que excelentemente coreografados e foi o brilhante maestro Enrico Simonetti quem assinou a ótima trilha musical neste filme que muito agradou às plateias e à crítica. Como ator Anselmo é, como de hábito, discreto, ficando o brilho maior para Odete Lara, enquanto Dercy Gonçalves se excede em seu histrionismo. A oficina da Última Hora, no Vale do Anhangabaú (SP) é o cenário da gráfica desta magnífica estreia de Anselmo Duarte como diretor. 8/10




sexta-feira, 19 de outubro de 2018

AMARCORD (Amarcord), 1973


Fellini era um sentimental que revisitava suas memórias a cada filme. Nunca, porém retratou tão completa e apaixonadamente a Rimini de sua infância e adolescência como em “Amarcord”. Rimini se torna Borgo San Giuliano cidade fictícia situada no Mar Adriático onde se sucede uma série de episódios sem ligação entre eles mas todos plenos de poesia e saboroso humor. Os personagens saídos da memória de Fellini neste seu álbum de recordações, sem exceção, têm um quê de grotescas caricaturas, mas são todos extraordinariamente humanos e familiares ainda que o filme se passe nos anos 30. A província festeja a chegada da Primavera com uma enorme fogueira, vibra com a passagem dos bólidos na VII Mille Miglia, participa ingênua e febrilmente da ascensão do fascismo e se extasia com a visão da passagem noturna de um transatlântico. Se as imagens fellinianas, como de hábito, deslumbram embaladas pela música admirável de Nino Rota, são os inesquecíveis tipos que povoam a cidade que mais encantam: Gradisca, Volpina, a rotunda dona da tabacaria, o casal pai e mãe de Titta (o alter-ego de Fellini) sempre às turras, o cunhado viteloni, o tio maluco, os professores, os amigos de Titta e o padre preocupado com os meninos se tocarem. A nostalgia das recordações é geralmente triste, mas em “Amarcord”, pelas mãos mágicas de Federico Fellini se torna prazerosa, contagiante e sublime. 10/10




terça-feira, 16 de outubro de 2018

SANSÃO E DALILA (Samson and Delilah), 1949


Volta e meia Cecil B. DeMille buscava na Bíblia as histórias para seus filmes e, quando se propôs a levar à tela o episódio do israelita Sansão que enfrenta os filisteus, criou um grandioso espetáculo cinematográfico. DeMille nunca se preocupou em fazer filmes artísticos mas sim atrair e divertir o grande público e para isso, com a ajuda dos roteiristas, deu a esse capítulo bíblico um sabor todo especial. Dalila (Hedy Lamarr) é uma mulher ardilosa que usa seu irresistível poder de conquista para descobrir o segredo da força sobre-humana de Sansão (Victor Mature) e torná-lo prisioneiro dos filisteus. Dois são os momentos principais deste épico: a longa sequência da luxuriosa sedução de Sansão e o final admirável da destruição do templo filisteu. No primeiro, sob o verniz das escrituras DeMille burla a censura com cenas de intensa lubricidade; no segundo a força de Sansão produz um impacto fílmico ainda hoje impressionante. DeMille acertou em cheio com Victor Mature e Hedy Lamarr, de quem não esperava e nem queria atuações portentosas. O físico e a persona artística de Mature fazem dele um perfeito Sansão e Hedy compensa suas formas delicadas com a estonteante beleza de seu rosto. George Sanders se diverte como o arrogante rei de Gaza pois assim como os protagonistas entendeu que “Sansão e Dalila” seria nas mãos de DeMille um grande e agradável espetáculo kitsch. 8/10





quarta-feira, 10 de outubro de 2018

...E O VENTO LEVOU (Gone With the Wind), 1939


Ainda hoje, 80 anos após seu lançamento esta superprodução continua sendo um dos filmes mais amados do cinema. O livro de mais de mil páginas da sulista Margaret Mitchell resultou num filme de quase quatro horas de duração com a primeira parte infinitamente superior à segunda. Se na parte inicial historia-se a subjugação do Sul durante a Guerra Civil - pano de fundo para apresentar a mais mimada, fútil, egoísta e atrevida heroína do cinema - a segunda parte é uma sucessão de tragédias cercando Scarlett O’Hara (Vivien Leigh), num infindável melodrama. Visivelmente favorável ao Sul, “E o Vento Levou” faz crer que a Confederação foi vítima, sem razão aparente, da crueldade da União. A escravidão nem é claramente citada sendo que os negros “se foram após a guerra” ficando apenas os da casta doméstica. Scarlett passa todo o filme atrás do insosso Ashley Wilkes (Lewis Howard) que é casado com sua melhor amiga, a doce Melanie (Olivia De Havilland), resistindo ao assédio de Rhett Butler. Este acaba sendo seu terceiro e, como os dois primeiros, infeliz marido enquanto a desprezível Scarlett fica ao final com o que ama de verdade, Tara, sua propriedade. Clark Gable nunca esteve melhor e Vivien Leigh criou uma das mais extraordinárias personagens do cinema, ambos magnificamente secundados por Olivia De Havilland. Mais que o próprio enredo, as excepcionais fotografia, música (Max Steiner) e a maravilhosa direção de arte (William Cameron Menzies) transformaram o filme num marco cinematográfico. 8/10