Antes de se especializar em
destilar seu cinismo diante das fraquezas do ser humano através de suas
sarcásticas comédias, Billy Wilder era áspero e cruel. Cruel demais para o
gosto norte-americano especialmente com este filme sobre o trabalho da imprensa
e que se transformou em um raro fracasso para Wilder. Isto mesmo com a presença
de Kirk Douglas encabeçando o elenco. Injusto fracasso pois “A Montanha dos
Sete Abutres” é um dos melhores filmes da admirável filmografia de Wilder. Relato
amargo que, mais que a imprensa sensacionalista, denuncia o próprio cidadão
norte-americano que se deixa conduzir em histeria coletiva para assistir a uma
tragédia individual. O inescrupuloso repórter Charles Tatum (Douglas) prolonga
ao máximo a agonia de um homem soterrado visando com isso recuperar o respeito
que perdera como jornalista de órgãos importantes. Insensível e manipulador,
Tatum alicia a corrupta lei na figura do sheriff de Albuquerque (Ray Teal) e
despe psicologicamente uma das mais sórdidas mulheres (Jan Sterling) já vistas
no cinema. Kirk Douglas interpreta intensa e vigorosamente o abjeto repórter
neste drama que o tempo se incumbiu de cada vez mais valorizar. 9/10
domingo, 27 de novembro de 2016
sexta-feira, 25 de novembro de 2016
A RODA DA FORTUNA (The Bad Wagon), 1953
Na década de 50 a MGM
produziu alguns dos melhores musicais de todos os tempos. E quase todos eram entretenimentos
leves, mesmo considerando que “Os Três Mosqueteiros” (1948) baseou-se no alegre
clássico de Alexandre Dumas e o premiadíssimo “Sinfonia de Paris” foi o mais
pretensioso musical daqueles tempos. Ainda demoraria para que Shakespeare
vertido para as ruas de Nova York desse tons mais trágicos a um musical pois “West
Side Story” só tomaria de assalto a Broadway em setembro de 1957. Curioso
portanto que “A Roda da Fortuna”, musical de Vincente Minelli propusesse que
musicais não devessem fugir de tentativas de adaptações de clássicos como “Fausto”
e se pautassem pelo ‘That’s Entertainment’, por sinal um dos melhores números
deste filme, ao lado do encantador “Dancing in the Dark” (Fred Astaire e Cyd
Charisse), do delicioso “Triplets” (Astaire, Nanette Fabray e Jack Buchanan) e
de “A Shine on Your Shoes” (Astaire e Leroy Daniels). “A Roda da Fortuna” fala
ainda do esquecimento dos antigos astros e da quase mesma estatura da dupla
principal. Mas quem se importa com isso se vê-los dançar é algo transcendente. 7/10
terça-feira, 22 de novembro de 2016
PÃO, AMOR E CIÚME (Pane, Amore e Gelosia), 1954
Para atenuar o sofrimento
deixado pela II Grande Guerra, a Itália passou a produzir um número incrível de
comédias com nuances do neo-realismo e uma das melhores dessas comédias foi “Pão,
Amor e Fantasia”, que Luigi Comencini rodou em 1953, alcançando enorme sucesso.
O público adorou ver Vittorio De Sica atuando ao lado de Gina Lollobrigida, ele
como o ‘Maresciallo Carotenuto e ela como ‘La Bersagliera’. No ano seguinte
houve a sequência “Pão, Amor e Ciúme”, tão ou mais engraçada que a primeira
pois colocava o ‘Maresciallo’ em situações ainda mais constrangedoras no pequeno lugarejo do Sul da
Itália chamado Sagliena. Lá ocorriam não apenas fantasias ou ciúmes, mas
mexericos aos montes feitos pelas maledicentes línguas do povo local que tinha
esse condenável mas característico hábito. E bem que o ‘Maresciallo’ merecia
ser a maior vítima dos comentários pois nenhuma mulher bonita lhe escapava ao
assédio. E em Sagliena havia ‘La Bersagliera’, a melhor expressão do pecado com
sua vivacidade, petulância e formosura. Tão deliciosas foram estas duas comédias
de Comencini que a série continuou com “Pão, Amor e...” com Sophia Loren
substituindo Gina e ainda “Pão, Amor e Andaluzia” (1955), esta com Carmen Sevilla
e De Sica sempre como o libidinoso comandante Carotenuto. 8/10
segunda-feira, 21 de novembro de 2016
PACTO DE SANGUE (Double Indemnity), 1944
Antes de dirigir o melhor
filme sobre Hollywood e a melhor comédia do cinema (“Crepúsculo dos Deuses” e “Quanto
Mais Quente Melhor”), o austríaco Billy Wilder havia realizado também o melhor
de todos os policiais noir que foi “Pacto de Sangue”. Partindo de uma história
de James M. Cain, Billy Wilder se reuniu com o escritor Raymond Chandler para
escrever um roteiro perfeito eivado de frases em que a mordacidade só é
superada pela inteligência das mesmas. Neste modelo de filme noir não só a envolvente
trama mas e especialmente o suspense que Wilder cria em diversos momentos desconcerta
e seduz o espectador, do mesmo modo que o corretor de seguros interpretado por
Fred MacMurray se mostra impotente para escapar do fascínio exercido por
Barbara Stanwyck. Pela primeira vez em sua carreira como uma criminosa, Barbara
é adúltera e perversamente calculista, usando uma peruca loura e uma pulseira
no tornozelo que enlouquece MacMurray. As sinistras persianas avisam o
espectador da tragédia que se avizinha capturada pela estupenda fotografia de
John F. Seitz e com a brilhante trilha de Miklos Rosza. Edward G. Robinson é o
sagaz inspetor da seguradora que não descobre o crime quase perfeito. 10/10
sábado, 19 de novembro de 2016
CONSCIÊNCIAS MORTAS (The Ox-Bow incident), 1943
É duvidoso aceitar que um
faroeste possa dispensar trocas de tiros, emocionantes cavalgadas, cenários
deslumbrantes, roteiro fácil e tudo o mais que invariavelmente caracteriza o
gênero. Mais ainda que um western possa refletir comportamentos humanos abjetos ao abordar
um assunto desagradável que o cinema sempre evitou tocar. Esse filme existe,
foi filmado em 1941 graças aos esforços e tenacidade de Henry Fonda e do
diretor William A. Wellman, sendo lançado em 1943 com o título “Consciências
Mortas”. Com apenas 75 minutos de duração, metragem quase de um western B, transformou-se
num dos mais admirados faroestes até hoje produzidos. Sombrio, pessimista,
trágico mesmo, expõe a covardia de uma turba histérica que se nega a dar a inocentes
o direito de defesa. Tomados por fúria coletiva encontram no linchamento a
solução para encobrir suas próprias fraquezas. Henry Fonda era então, no elenco,
o único nome capaz de atrair o público que não se interessou em ver “Consciências
Mortas”. Mais tarde Orson Welles e Clint Eastwood externaram profunda admiração
por este filme que a quase unanimidade da crítica reverencia como obra-prima do
gênero. 9/10 - Resenha completa no blog http://westerncinemania.blogspot.com.br/
terça-feira, 15 de novembro de 2016
CASABLANCA, 1943
Obra-prima do cinema
romântico, este filme de Michael Curtiz não se limita jamais a esta simples
definição de gênero. O extraordinário roteiro de “Casablanca” abriga intrigas e
mistério como deve ser um bom policial noir e ainda reflete magnificamente a
tensão vivida durante a II Grande Guerra. Como nenhum outro faz jus ao termo ‘cult’,
ou seja, aquele filme que jamais nos cansamos de rever porque nos delicia a
amoralidade de Humphrey Bogart e o encantador vezo corrupto de Claude Rains. O
grupo de misteriosos personagens que se cruzam na fascinante atmosfera do ‘Ricks’,
onde se passa a maior parte da história, trama suas aventuras ao som da voz rouquenha
e inesquecível de Dooley Wilson. Entre outras maravilhosas canções ouve-se a
contagiante “Knock on Wood” e “As Time Goes By”, esta já com a presença de
Ingrid Bergman, nunca antes ou depois mais bonita. O durão Bogart mostra que
sabe ser sensível e sucumbe ao amor impossível lembrando que “sempre haverá
Paris” e ao final dando o que falar com a amizade que inicia com o chefe de
polícia francês. Magistral direção de atores de Michael Curtiz, responsável
maior pela quase perfeição de “Casablanca”. O quase fica por conta do
inexpressivo Paul Henreid. 10/10
domingo, 13 de novembro de 2016
A COMPANHEIRA DE TARZAN (Tarzan and His Mate), 1934
Edgar Rice Borroughs
negociou com a MGM o direito de adaptar suas histórias sobre o heroi e o
estúdio então passou a fazer o quem bem entendeu com ele. Depois do enorme
sucesso do primeiro filme da série com Johnny Weissmuler, a imaginação de
Cedric Gibbons, diretor de arte do estúdio, extrapolou os limites de sua
criatividade e veio “A Companheira de Tarzan”, até hoje o melhor de todos os
filmes sobre o Rei das Selvas. Gibbons reduziu a participação de Tarzan e ampliou
a de Jane, na medida exata em que explorou ao máximo a sensualidade que a pouca
roupa da heroína permitia, ou seja, quase tudo. Realizado pouco antes de entrar
em vigência o Código Hays, os espectadores puderam ver a nudez de Jane na
famosa sequência aquática que logo seria excluída do filme em nome da moral e
dos bons costumes. E quem o público via, de fato era a nadadora olímpica
Josephine McKim dublando Maureen O’Sullivan. Por quase 50 anos essas cenas foram
dadas como desaparecidas até que, encontradas, o filme foi restaurado na íntegra,
como Gibbons sonhou. Excepcional filme de ação com Weissmuller ainda magro, com
espaço para o lirismo entre Jane-Tarzan, Cheeta vivendo perigos e... a reduzida
tanga da inesquecível Maureen O’Sullivan. 9/10
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
OS BRUTOS TAMBÉM AMAM (Shane), 1953
Poucos discordam que “Shane”
seja o mais admirado faroeste de todos os tempos e pode-se perguntar o que
levou o filme do meticuloso George Stevens a essa quase unanimidade? Certamente
não foi seu previsível roteiro narrando como o desconhecido pistoleiro coloca
as coisas no lugar na região dominada pelos brutos Rykers. Não foi também a
trama paralela envolvendo o obsequioso e respeitador estranho e o casal
Starrett, trama esta que não chega a lugar nenhum mesmo sendo Joe Starrett o mais
compreensivo lavrador do Wyoming. Há a admiração pelo elegante matador de aluguel Wilson, menor apenas que aquela devotada a Shane, especialmente quando este traja
sua inconfundível roupa de pele de gamo que ainda mais reduz o tamanho do
diminuto e mitológico (como gostam de dizer) herói. Não há quem não ressalte,
por mais enfadonho que isso seja, a invenção de o espectador ver o filme pelos
olhos do onipresente menino, aquele que não perde uma chance de fazer ecoar
pelos vales perdidos o nome ‘Shane’. E nem pensar que Victor Young tenha exagerado
na sacarose no tema musical igualmente cultuado. Falta apenas pensar naquele que é o mais bizarro
cinturão do Velho Oeste... 7/10 - Resenha completa no blog http://westerncinemania.blogspot.com.br/
O SOL POR TESTEMUNHA (Plein Soleil), 1960
René Clément foi um dos
diretores massacrados pela turma da Nouvelle Vague. E justamente no ano em que
foram lançados “Acossado”, “Os Incompreendidos” e “Hiroshima, Mon Amour”,
Clément respondeu a Godard, Truffaut e cia. com um suspense que marcou época: “O
Sol por Testemunha”. Esqueça-se o tom sombrio dos filmes noir, as vielas
escuras e as feições abrutalhadas dos vilões. Este thriller policial é
luminoso, ensolarado, e excepcionalmente inteligente, com um trio central
formado por atores muito bonitos. Alain Delon esbanja charme como o amoral e ardiloso
vilão que cobiça não só a fortuna do amigo mas também ficar com sua namorada. A
autora Patricia Highsmith gostou do filme e disse que ao escrever a história em
1955 jamais imaginara alguém como Delon para interpretar o talentoso Mr.
Ripley. Filmado em estonteantes locações no Mar Mediterrâneo, o filme de
Clément possui uma sequência antológica quando Tom Ripley percorre uma feira
livre de rua em Nápoles e os peixes mortos olham para ele como que o condenando
pelos assassinatos cometidos. As nuances homossexuais do livro foram atenuadas,
o que não ocorreu no remake “O Talentoso Mr. Ripley”, de 1999. Embora muita
tinta tenha sido gasta com o inovador “Acossado”, o público preferiu mesmo ver o
excelente “O Sol por Testemunha”. 9/10
quarta-feira, 9 de novembro de 2016
O PAGADOR DE PROMESSAS, 1962
Anselmo Duarte faleceu aos
89 anos de idade e nas últimas cinco décadas de sua vida foi um homem amargurado
e rancoroso. Mesmo após ter realizado um dos marcos da cinematografia
brasileira – “O Pagador de Promessas” – Anselmo nunca teve seu talento como
diretor devidamente reconhecido aqui no Brasil. Conviveu com o ciúme de toda
uma geração de cinemanovistas (e seus seguidores) que nunca o perdoou por fazer
um cinema sem modismos. ‘Acadêmico’ era
o adjetivo menos pejorativo que Anselmo recebia, de nada adiantando ter vencido
Buñuel, Antonioni, Preminger e outros idolatrados diretores ao trazer para o
Brasil a ambicionada Palma de Ouro. Levada ao cinema após ser encenada em 1960,
a história de Dias Gomes não perdoa ninguém, desde a intolerância da igreja ao
sensacionalismo da imprensa, passando pela polícia corrupta. Abordando tema brasileiríssimo
que é o sincretismo religioso, Anselmo filmou quase que inteiramente nas escadarias
da Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo, em Salvador. Leonardo Villar
estupendo como Zé do Burro e brilhantes Norma Bengell e todo o elenco. “O
Pagador de Promessas” sempre emociona e é um filme perfeito, descontada a
música intrusiva de Gabriel Migliori. 10/10
terça-feira, 8 de novembro de 2016
JANELA INDISCRETA (Rear Window), 1953
Cada cinéfilo tem seu(s)
Hitchcock preferido(s) e para mim, se o Mestre do Suspense não levou os nervos
da plateia ao limite com “Janela Indiscreta”, nos deu um de seus filmes mais
fascinantes. Alfred Hitchcock transforma cada um de nós em voyeur a cada minuto
mais obcecado. O fotógrafo preso à cadeira de rodas é o próprio espectador que,
como lembrou Hitch, exercita através do cinema seu desejo de espiar comportamentos
no mais das vezes reprováveis. Filme claustrofóbico mas que jamais cansa porque
o diretor sabe exatamente o que quer e o que faz. E Hitch quer, como de hábito,
brincar com o público que paga para ver seus filmes. Chegou-se a dizer que esta
é a película mais pessoal do diretor pois a imobilidade do fotógrafo
significaria sua impotência. E Grace Kelly está ali mais linda que nunca diante
de um James Stewart incapaz de se levantar de sua cadeira de diretor, digo de
rodas. Assim como Hitch, Stewart também se apaixonou por Grace durante as
filmagens. Baseado na história “It Had to Be Murder”, pulp fiction de Cornell Woolrich
enriquecida pelos cáusticos diálogos de John Michael Hayes. Raymond Burr
impressionante como o matricida. 10/10
sexta-feira, 4 de novembro de 2016
OS CORRUPTOS (The Big Heat), 1953
Nenhum outro diretor
desafiou o famigerado Código Hays como o fez Fritz Lang em 1953 com o policial
noir “Os Corruptos”. Originalmente planejado para ter no elenco Edward G.
Robinson, George Raft e Paul Muni, ficou para Glenn Ford a responsabilidade de
desempenhar o detetive que confronta todo o corrompido sistema político-policial
de uma fictícia grande cidade. E Glenn Ford se vê às voltas com um jovem ator –
Lee Marvin – de quem ninguém poderia suspeitar que logo faria James Cagney
parecer um coroinha. Nesse sensacional duelo de violência entre Ford e Marvin o
policial é movido por vingança pessoal e o gângster (Lee) por sua incontida bestialidade.
E Glenn Ford tem seu momento maior no cinema expressando magnificamente não só desespero
e angústia mas e principalmente a solidão que apenas os corajosos conhecem de
verdade. Num filme onde as mulheres têm igual importância à dos homens, Jeanette
Nolan está estupenda como a egoísta viúva e brilha Gloria Grahame que tem o rosto
de boneca desfigurado por Lee Marvin numa sequência apavorante. Chamar “Os
Corruptos” de clássico é pouco para este extraordinário filme de Fritz Lang. 9/10
quarta-feira, 2 de novembro de 2016
O PIRATA SANGRENTO (The Crimson Pirate), 1952
Jamais haverá um filme sobre
aventureiros do mar como “O Pirata Sangrento” por uma razão muito simples:
jamais haverá outro Burt Lancaster. Bem que volta e meia Hollywood procurou,
entre seus grandes astros, algum que chegasse perto de Douglas Fairbanks Sr.
Desfilaram no gênero capa-e-espada entre outros, Tyrone Power, Yul Brynner, Gregory
Peck, Rock Hudson e Errol Flynn depois de ser Robin Hood. Foi, no entanto, em
1952 que Burt Lancaster, sempre em companhia de Nick Cravat, assombrou o mundo
com a mais empolgante, movimentada e deslumbrante aventura de um corsário: “O
Pirata Sangrento”. Lancaster e Cravat tiram o fôlego do espectador não só com
as incríveis acrobacias feitas sobre galeões, balões e onde mais se encontrem,
mas com as gargalhadas provocadas nesta que é a mais divertida aventura
marítima do cinema. E pensar que Johnny Depp chegou a receber 60 milhões de para
se vestir outra vez como Jack Sparrow. Creditada a direção a Robert Siodmak, “O
Pirata Sangrento” é puro Burt Lancaster que foi também o produtor. Saboroso roteiro
de Roland Kibbee e esplendorosa fotografia de Otto Heller com cenários naturais
da Ilha de Ischia, na costa de Nápoles. 10/10
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