domingo, 27 de novembro de 2016

A MONTANHA DOS SETE ABUTRES (Ace in the Hole), 1951


Antes de se especializar em destilar seu cinismo diante das fraquezas do ser humano através de suas sarcásticas comédias, Billy Wilder era áspero e cruel. Cruel demais para o gosto norte-americano especialmente com este filme sobre o trabalho da imprensa e que se transformou em um raro fracasso para Wilder. Isto mesmo com a presença de Kirk Douglas encabeçando o elenco. Injusto fracasso pois “A Montanha dos Sete Abutres” é um dos melhores filmes da admirável filmografia de Wilder. Relato amargo que, mais que a imprensa sensacionalista, denuncia o próprio cidadão norte-americano que se deixa conduzir em histeria coletiva para assistir a uma tragédia individual. O inescrupuloso repórter Charles Tatum (Douglas) prolonga ao máximo a agonia de um homem soterrado visando com isso recuperar o respeito que perdera como jornalista de órgãos importantes. Insensível e manipulador, Tatum alicia a corrupta lei na figura do sheriff de Albuquerque (Ray Teal) e despe psicologicamente uma das mais sórdidas mulheres (Jan Sterling) já vistas no cinema. Kirk Douglas interpreta intensa e vigorosamente o abjeto repórter neste drama que o tempo se incumbiu de cada vez mais valorizar. 9/10

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A RODA DA FORTUNA (The Bad Wagon), 1953


Na década de 50 a MGM produziu alguns dos melhores musicais de todos os tempos. E quase todos eram entretenimentos leves, mesmo considerando que “Os Três Mosqueteiros” (1948) baseou-se no alegre clássico de Alexandre Dumas e o premiadíssimo “Sinfonia de Paris” foi o mais pretensioso musical daqueles tempos. Ainda demoraria para que Shakespeare vertido para as ruas de Nova York desse tons mais trágicos a um musical pois “West Side Story” só tomaria de assalto a Broadway em setembro de 1957. Curioso portanto que “A Roda da Fortuna”, musical de Vincente Minelli propusesse que musicais não devessem fugir de tentativas de adaptações de clássicos como “Fausto” e se pautassem pelo ‘That’s Entertainment’, por sinal um dos melhores números deste filme, ao lado do encantador “Dancing in the Dark” (Fred Astaire e Cyd Charisse), do delicioso “Triplets” (Astaire, Nanette Fabray e Jack Buchanan) e de “A Shine on Your Shoes” (Astaire e Leroy Daniels). “A Roda da Fortuna” fala ainda do esquecimento dos antigos astros e da quase mesma estatura da dupla principal. Mas quem se importa com isso se vê-los dançar é algo transcendente. 7/10

terça-feira, 22 de novembro de 2016

PÃO, AMOR E CIÚME (Pane, Amore e Gelosia), 1954


Para atenuar o sofrimento deixado pela II Grande Guerra, a Itália passou a produzir um número incrível de comédias com nuances do neo-realismo e uma das melhores dessas comédias foi “Pão, Amor e Fantasia”, que Luigi Comencini rodou em 1953, alcançando enorme sucesso. O público adorou ver Vittorio De Sica atuando ao lado de Gina Lollobrigida, ele como o ‘Maresciallo Carotenuto e ela como ‘La Bersagliera’. No ano seguinte houve a sequência “Pão, Amor e Ciúme”, tão ou mais engraçada que a primeira pois colocava o ‘Maresciallo’ em situações ainda mais  constrangedoras no pequeno lugarejo do Sul da Itália chamado Sagliena. Lá ocorriam não apenas fantasias ou ciúmes, mas mexericos aos montes feitos pelas maledicentes línguas do povo local que tinha esse condenável mas característico hábito. E bem que o ‘Maresciallo’ merecia ser a maior vítima dos comentários pois nenhuma mulher bonita lhe escapava ao assédio. E em Sagliena havia ‘La Bersagliera’, a melhor expressão do pecado com sua vivacidade, petulância e formosura. Tão deliciosas foram estas duas comédias de Comencini que a série continuou com “Pão, Amor e...” com Sophia Loren substituindo Gina e ainda “Pão, Amor e Andaluzia” (1955), esta com Carmen Sevilla e De Sica sempre como o libidinoso comandante Carotenuto. 8/10

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

PACTO DE SANGUE (Double Indemnity), 1944


Antes de dirigir o melhor filme sobre Hollywood e a melhor comédia do cinema (“Crepúsculo dos Deuses” e “Quanto Mais Quente Melhor”), o austríaco Billy Wilder havia realizado também o melhor de todos os policiais noir que foi “Pacto de Sangue”. Partindo de uma história de James M. Cain, Billy Wilder se reuniu com o escritor Raymond Chandler para escrever um roteiro perfeito eivado de frases em que a mordacidade só é superada pela inteligência das mesmas. Neste modelo de filme noir não só a envolvente trama mas e especialmente o suspense que Wilder cria em diversos momentos desconcerta e seduz o espectador, do mesmo modo que o corretor de seguros interpretado por Fred MacMurray se mostra impotente para escapar do fascínio exercido por Barbara Stanwyck. Pela primeira vez em sua carreira como uma criminosa, Barbara é adúltera e perversamente calculista, usando uma peruca loura e uma pulseira no tornozelo que enlouquece MacMurray. As sinistras persianas avisam o espectador da tragédia que se avizinha capturada pela estupenda fotografia de John F. Seitz e com a brilhante trilha de Miklos Rosza. Edward G. Robinson é o sagaz inspetor da seguradora que não descobre o crime quase perfeito. 10/10

sábado, 19 de novembro de 2016

CONSCIÊNCIAS MORTAS (The Ox-Bow incident), 1943


É duvidoso aceitar que um faroeste possa dispensar trocas de tiros, emocionantes cavalgadas, cenários deslumbrantes, roteiro fácil e tudo o mais que invariavelmente caracteriza o gênero. Mais ainda que um western possa refletir comportamentos humanos abjetos ao abordar um assunto desagradável que o cinema sempre evitou tocar. Esse filme existe, foi filmado em 1941 graças aos esforços e tenacidade de Henry Fonda e do diretor William A. Wellman, sendo lançado em 1943 com o título “Consciências Mortas”. Com apenas 75 minutos de duração, metragem quase de um western B, transformou-se num dos mais admirados faroestes até hoje produzidos. Sombrio, pessimista, trágico mesmo, expõe a covardia de uma turba histérica que se nega a dar a inocentes o direito de defesa. Tomados por fúria coletiva encontram no linchamento a solução para encobrir suas próprias fraquezas. Henry Fonda era então, no elenco, o único nome capaz de atrair o público que não se interessou em ver “Consciências Mortas”. Mais tarde Orson Welles e Clint Eastwood externaram profunda admiração por este filme que a quase unanimidade da crítica reverencia como obra-prima do gênero. 9/10 - Resenha completa no blog http://westerncinemania.blogspot.com.br/

terça-feira, 15 de novembro de 2016

CASABLANCA, 1943


Obra-prima do cinema romântico, este filme de Michael Curtiz não se limita jamais a esta simples definição de gênero. O extraordinário roteiro de “Casablanca” abriga intrigas e mistério como deve ser um bom policial noir e ainda reflete magnificamente a tensão vivida durante a II Grande Guerra. Como nenhum outro faz jus ao termo ‘cult’, ou seja, aquele filme que jamais nos cansamos de rever porque nos delicia a amoralidade de Humphrey Bogart e o encantador vezo corrupto de Claude Rains. O grupo de misteriosos personagens que se cruzam na fascinante atmosfera do ‘Ricks’, onde se passa a maior parte da história, trama suas aventuras ao som da voz rouquenha e inesquecível de Dooley Wilson. Entre outras maravilhosas canções ouve-se a contagiante “Knock on Wood” e “As Time Goes By”, esta já com a presença de Ingrid Bergman, nunca antes ou depois mais bonita. O durão Bogart mostra que sabe ser sensível e sucumbe ao amor impossível lembrando que “sempre haverá Paris” e ao final dando o que falar com a amizade que inicia com o chefe de polícia francês. Magistral direção de atores de Michael Curtiz, responsável maior pela quase perfeição de “Casablanca”. O quase fica por conta do inexpressivo Paul Henreid. 10/10

domingo, 13 de novembro de 2016

A COMPANHEIRA DE TARZAN (Tarzan and His Mate), 1934


Edgar Rice Borroughs negociou com a MGM o direito de adaptar suas histórias sobre o heroi e o estúdio então passou a fazer o quem bem entendeu com ele. Depois do enorme sucesso do primeiro filme da série com Johnny Weissmuler, a imaginação de Cedric Gibbons, diretor de arte do estúdio, extrapolou os limites de sua criatividade e veio “A Companheira de Tarzan”, até hoje o melhor de todos os filmes sobre o Rei das Selvas. Gibbons reduziu a participação de Tarzan e ampliou a de Jane, na medida exata em que explorou ao máximo a sensualidade que a pouca roupa da heroína permitia, ou seja, quase tudo. Realizado pouco antes de entrar em vigência o Código Hays, os espectadores puderam ver a nudez de Jane na famosa sequência aquática que logo seria excluída do filme em nome da moral e dos bons costumes. E quem o público via, de fato era a nadadora olímpica Josephine McKim dublando Maureen O’Sullivan. Por quase 50 anos essas cenas foram dadas como desaparecidas até que, encontradas, o filme foi restaurado na íntegra, como Gibbons sonhou. Excepcional filme de ação com Weissmuller ainda magro, com espaço para o lirismo entre Jane-Tarzan, Cheeta vivendo perigos e... a reduzida tanga da inesquecível Maureen O’Sullivan. 9/10

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

OS BRUTOS TAMBÉM AMAM (Shane), 1953


Poucos discordam que “Shane” seja o mais admirado faroeste de todos os tempos e pode-se perguntar o que levou o filme do meticuloso George Stevens a essa quase unanimidade? Certamente não foi seu previsível roteiro narrando como o desconhecido pistoleiro coloca as coisas no lugar na região dominada pelos brutos Rykers. Não foi também a trama paralela envolvendo o obsequioso e respeitador estranho e o casal Starrett, trama esta que não chega a lugar nenhum mesmo sendo Joe Starrett o mais compreensivo lavrador do Wyoming. Há a admiração pelo elegante matador de aluguel Wilson, menor apenas que aquela devotada a Shane, especialmente quando este traja sua inconfundível roupa de pele de gamo que ainda mais reduz o tamanho do diminuto e mitológico (como gostam de dizer) herói. Não há quem não ressalte, por mais enfadonho que isso seja, a invenção de o espectador ver o filme pelos olhos do onipresente menino, aquele que não perde uma chance de fazer ecoar pelos vales perdidos o nome ‘Shane’. E nem pensar que Victor Young tenha exagerado na sacarose no tema musical igualmente cultuado. Falta apenas pensar naquele que é o mais bizarro cinturão do Velho Oeste... 7/10 - Resenha completa no blog http://westerncinemania.blogspot.com.br/

O SOL POR TESTEMUNHA (Plein Soleil), 1960



René Clément foi um dos diretores massacrados pela turma da Nouvelle Vague. E justamente no ano em que foram lançados “Acossado”, “Os Incompreendidos” e “Hiroshima, Mon Amour”, Clément respondeu a Godard, Truffaut e cia. com um suspense que marcou época: “O Sol por Testemunha”. Esqueça-se o tom sombrio dos filmes noir, as vielas escuras e as feições abrutalhadas dos vilões. Este thriller policial é luminoso, ensolarado, e excepcionalmente inteligente, com um trio central formado por atores muito bonitos. Alain Delon esbanja charme como o amoral e ardiloso vilão que cobiça não só a fortuna do amigo mas também ficar com sua namorada. A autora Patricia Highsmith gostou do filme e disse que ao escrever a história em 1955 jamais imaginara alguém como Delon para interpretar o talentoso Mr. Ripley. Filmado em estonteantes locações no Mar Mediterrâneo, o filme de Clément possui uma sequência antológica quando Tom Ripley percorre uma feira livre de rua em Nápoles e os peixes mortos olham para ele como que o condenando pelos assassinatos cometidos. As nuances homossexuais do livro foram atenuadas, o que não ocorreu no remake “O Talentoso Mr. Ripley”, de 1999. Embora muita tinta tenha sido gasta com o inovador “Acossado”, o público preferiu mesmo ver o excelente “O Sol por Testemunha”. 9/10

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O PAGADOR DE PROMESSAS, 1962


Anselmo Duarte faleceu aos 89 anos de idade e nas últimas cinco décadas de sua vida foi um homem amargurado e rancoroso. Mesmo após ter realizado um dos marcos da cinematografia brasileira – “O Pagador de Promessas” – Anselmo nunca teve seu talento como diretor devidamente reconhecido aqui no Brasil. Conviveu com o ciúme de toda uma geração de cinemanovistas (e seus seguidores) que nunca o perdoou por fazer um cinema sem modismos.  ‘Acadêmico’ era o adjetivo menos pejorativo que Anselmo recebia, de nada adiantando ter vencido Buñuel, Antonioni, Preminger e outros idolatrados diretores ao trazer para o Brasil a ambicionada Palma de Ouro. Levada ao cinema após ser encenada em 1960, a história de Dias Gomes não perdoa ninguém, desde a intolerância da igreja ao sensacionalismo da imprensa, passando pela polícia corrupta. Abordando tema brasileiríssimo que é o sincretismo religioso, Anselmo filmou quase que inteiramente nas escadarias da Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo, em Salvador. Leonardo Villar estupendo como Zé do Burro e brilhantes Norma Bengell e todo o elenco. “O Pagador de Promessas” sempre emociona e é um filme perfeito, descontada a música intrusiva de Gabriel Migliori. 10/10

terça-feira, 8 de novembro de 2016

JANELA INDISCRETA (Rear Window), 1953


Cada cinéfilo tem seu(s) Hitchcock preferido(s) e para mim, se o Mestre do Suspense não levou os nervos da plateia ao limite com “Janela Indiscreta”, nos deu um de seus filmes mais fascinantes. Alfred Hitchcock transforma cada um de nós em voyeur a cada minuto mais obcecado. O fotógrafo preso à cadeira de rodas é o próprio espectador que, como lembrou Hitch, exercita através do cinema seu desejo de espiar comportamentos no mais das vezes reprováveis. Filme claustrofóbico mas que jamais cansa porque o diretor sabe exatamente o que quer e o que faz. E Hitch quer, como de hábito, brincar com o público que paga para ver seus filmes. Chegou-se a dizer que esta é a película mais pessoal do diretor pois a imobilidade do fotógrafo significaria sua impotência. E Grace Kelly está ali mais linda que nunca diante de um James Stewart incapaz de se levantar de sua cadeira de diretor, digo de rodas. Assim como Hitch, Stewart também se apaixonou por Grace durante as filmagens. Baseado na história “It Had to Be Murder”, pulp fiction de Cornell Woolrich enriquecida pelos cáusticos diálogos de John Michael Hayes. Raymond Burr impressionante como o matricida. 10/10

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

OS CORRUPTOS (The Big Heat), 1953


Nenhum outro diretor desafiou o famigerado Código Hays como o fez Fritz Lang em 1953 com o policial noir “Os Corruptos”. Originalmente planejado para ter no elenco Edward G. Robinson, George Raft e Paul Muni, ficou para Glenn Ford a responsabilidade de desempenhar o detetive que confronta todo o corrompido sistema político-policial de uma fictícia grande cidade. E Glenn Ford se vê às voltas com um jovem ator – Lee Marvin – de quem ninguém poderia suspeitar que logo faria James Cagney parecer um coroinha. Nesse sensacional duelo de violência entre Ford e Marvin o policial é movido por vingança pessoal e o gângster (Lee) por sua incontida bestialidade. E Glenn Ford tem seu momento maior no cinema expressando magnificamente não só desespero e angústia mas e principalmente a solidão que apenas os corajosos conhecem de verdade. Num filme onde as mulheres têm igual importância à dos homens, Jeanette Nolan está estupenda como a egoísta viúva e brilha Gloria Grahame que tem o rosto de boneca desfigurado por Lee Marvin numa sequência apavorante. Chamar “Os Corruptos” de clássico é pouco para este extraordinário filme de Fritz Lang.  9/10

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O PIRATA SANGRENTO (The Crimson Pirate), 1952


Jamais haverá um filme sobre aventureiros do mar como “O Pirata Sangrento” por uma razão muito simples: jamais haverá outro Burt Lancaster. Bem que volta e meia Hollywood procurou, entre seus grandes astros, algum que chegasse perto de Douglas Fairbanks Sr. Desfilaram no gênero capa-e-espada entre outros, Tyrone Power, Yul Brynner, Gregory Peck, Rock Hudson e Errol Flynn depois de ser Robin Hood. Foi, no entanto, em 1952 que Burt Lancaster, sempre em companhia de Nick Cravat, assombrou o mundo com a mais empolgante, movimentada e deslumbrante aventura de um corsário: “O Pirata Sangrento”. Lancaster e Cravat tiram o fôlego do espectador não só com as incríveis acrobacias feitas sobre galeões, balões e onde mais se encontrem, mas com as gargalhadas provocadas nesta que é a mais divertida aventura marítima do cinema. E pensar que Johnny Depp chegou a receber 60 milhões de para se vestir outra vez como Jack Sparrow. Creditada a direção a Robert Siodmak, “O Pirata Sangrento” é puro Burt Lancaster que foi também o produtor. Saboroso roteiro de Roland Kibbee e esplendorosa fotografia de Otto Heller com cenários naturais da Ilha de Ischia, na costa de Nápoles. 10/10