Entre os tantos aspectos inusitados
deste thriller merece ser lembrado que Norman Bates é, aparentemente, uma pessoa
comum. E é essa pessoa ‘comum’ que se revela voyeur, que se traveste, que
assassina mãe, padrasto e uma série de outras vítimas. “Psicose” é um filme que
se pretende sério, feito por um diretor que se divertia amedrontando os
espectadores; no entanto é com este suspense que mais Alfred Hitchcock se
deleitou mostrando, como raras vezes o cinema fez, as deformações possíveis na
conduta de um ser humano. Se Norman Bates (Anthony Perkins) é o homem que
somente a Psicanálise é capaz de decifrar, Marion Crane (Janet Leigh) é a antítese
das heroínas comuns. Amante de um homem casado nas horas de folga, ladra que
trai a confiança do patrão e a quem Hitchcock mata antes da metade do filme.
Apenas por esses dois extraordinários personagens “Psicose” já mereceria ser
assistido, mas há ainda a trama incomum, a trilha sonora excepcionalmente
criativa de Bernard Herrmann e sequências antológicas que Hitch legou para a
história do cinema. Anthony Perkins está perfeito como o angustiado assassino e
Janet Leigh tem a melhor atuação de sua carreira. No elenco principal ainda os
insípidos John Gavin e Vera Miles. “Psicose” é obra exponencial na vasta e rica
filmografia de Hitchcock, verdadeiro Mestre da Sétima arte. 10/10
quarta-feira, 31 de janeiro de 2018
terça-feira, 30 de janeiro de 2018
FEITIÇO DA LUA (Moonstruck), 1987
Há filmes que nos encantam
desde suas primeiras imagens e esta comédia de Norman Jewison se inicia (e
termina) ao som de Dean Martin cantando “That’s Amore”. Nada mais apropriado
que a mistura que Dino faz com versos em Inglês mesclados com expressões
italianas, combinação que também acontece em “Feitiço da Lua”, quando Hollywood
mais se aproximou do espírito das melhores comédias produzidas em Cinecittà. Loretta
Castorini (Cher) está noiva de Johnny Cammareri (Danny Aiello), mas se envolve
com Ronny (Nicolas Cage), irmão de Johnny, desdobrando-se um imbróglio que
somente não termina em tragédia porque falam mais alto os costumes arraigados
naqueles ítalo-americanos. As situações criadas são divertidas porém nada que
se compare com a forma tão engraçada quanto simpática, poética mesmo, com que o
filme trata da etnia e as características próprias dos italianos. Fica-se à
espera de uma resposta à pergunta: ‘Por que os homens perseguem as mulheres?’,
que o filme deixa no ar, mas impossível não se apaixonar pelos personagens que
se deixam enlevar pelo feitiço que a lua emana. Cher está linda e perfeita, mas
é Olympia Dukakis quem fascina o espectador. Ambas levaram prêmios Oscar por
suas interpretações e tão bem quanto elas está Vincent Gardenia. Esqueça que
Nicolas Cage se esforça para atrapalhar tudo com sua canastrice. 8/10
quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
ALMAS EM FÚRIA (The Furies), 1950
Este foi o primeiro filme da
mais extraordinária série de westerns de um único diretor filmados no espaço de
uma década. Anthony Mann, ainda visivelmente influenciado pelo estilo noir de
seus trabalhos anteriores de baixo orçamento, narra em “Almas em Fúria”, um intenso
drama familiar onde os personagens principais são todos movidos pela ganância e
sede de poder. T.C Jeffords (Walter Huston), viúvo e poderoso barão de gado,
proprietário de extensas terras no Novo México, encontra antagonismo à altura
apenas em sua filha Vance (Barbara Stanwyck). A ambição e incontida crueldade
de Vance a leva a desfigurar com uma tesoura o rosto da futura madrasta (Judith
Anderson) e a se casar por conveniência para poder se apossar do império do
pai. Sem os ingredientes típicos de um western, Anthony Mann realizou um drama
que em tudo lembra uma tragédia grega, não faltando os insistentes perfis dos
personagens diante do cenário sombrio do Oeste. As insinuações eróticas são
surpreendentes neste filme em que Huston e Judith Anderson estão magníficos,
ele em seu último trabalho no cinema. Gilbert Roland perfeito como o infeliz mexicano
amante de Vance enquanto Wendell Corey desaponta a cada sequência. Mas quem
pode enfrentar a estupenda Barbara em um de seus mais memoráveis desempenhos?
Anthony Mann ensaiando suas obras-primas no gênero western. 8/10
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
ADÚLTERA (Le Diable au Corps), 1947
ADÚLTERA (Le Diable au
Corps), 1947 – Raymond Radiguet escreveu este polêmico romance aos 20 anos,
idade em que veio a falecer pouco depois do lançamento do livro. Na adaptação para
o cinema o jovem de 15 anos que se apaixona por uma mulher dez anos mais velha
passa a ter 17 anos e ela 29. Gérard Philipe e Micheline Presle estavam ambos
com 25 anos quando interpretaram os personagens de Radiguet e Philipe com seu
rosto atormentado aparenta ter mais idade que ela. Esse é apenas um dos problemas
do filme de Claude Autant-Lara cuja história é contada em flash-backs narrando
como Marthe (Micheline), noiva de um soldado que está no front na I Guerra
Mundial, e o estudante François (Philipe) se apaixonam perdidamente. Como não
podia deixar de ser o filme desagradou os moralistas da época. Autant-Lara que foi
a vítima preferida da turma da Nouvelle Vague, que o acusava de excessivamente
acadêmico, dirige “Adúltera” longe da linearidade e com um roteiro com vácuos
comprometedores. O melhor da tragédia dos dois amantes é mostrar como uma
mulher aparentemente tranquila e correta é capaz de se transformar. Micheline
Presle (cuja placidez lembra Teresa Wright) está perfeita ocultando os mistérios
que só as mulheres são capazes de reter. Ver Gérard Philipe atuar provoca
alegria por seu brilho e tristeza por sua morte tão prematura. Refilmado em
1986 por Marco Bellocchio como “Diabo no Corpo”. 6/10 -
domingo, 21 de janeiro de 2018
O HOMEM QUE NÃO VENDEU SUA ALMA (A Man for All Seasons), 1966
Fred Zinnemann voltou ao
seu tema preferido, o do homem que fica sozinho por suas convicções, ao filmar
a tragédia de Sir Thomas More e com este drama histórico recebeu seu segundo
prêmio Oscar como Melhor Diretor. O advogado Thomas More (Paul Scofield)
torna-se Lord Chanceler do Rei Henrique VIII (Robert Shaw), sendo pressionado
por este para se posicionar a favor de seu divórcio e próximo casamento com Ana
Bolena (Vanessa Redgrave). More é contra o Rei haver renunciado à autoridade
papal dando lugar à Reforma Inglesa. Através de um tribunal manipulado pelo
novo Lord Chanceler Cromwell (Leo McKern), o despótico Henrique VIII condena
Thomas More à morte. Zinnemann realizou um filme intensamente dramático no qual
a grandeza moral de Thomas More contrasta com os desprezíveis homens que cercam
o vil Rei. A lamentar que a personalidade do extraordinário Humanista que foi
More não tenha sido apropriadamente mostrada, como seu talento de escritor e
inquebrantável bom humor. No filme More raramente sorri num desempenho
irrepreensível de Paul Scofield que lhe valeu o Oscar. Leo McKern magnífico
como o intrigante Cromwel. Oscars ainda de Melhor Filme, Roteiro, Fotografia e
Vestuário. 9/10 - Cópia gentilmente cedida
pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.
quinta-feira, 18 de janeiro de 2018
LAWRENCE DA ARÁBIA (Lawrence of Arabia), 1962
LAWRENCE DA ARÁBIA (Lawrence
of Arabia), 1962 – Poucos filmes são tão admiráveis quanto este épico de David
Lean narrando como o Major T.E. Lawrence (Peter O’Toole) se tornou um mito por
sua participação nas batalhas entre árabes e turcos durante a I Guerra Mundial.
Lean conseguiu imagens de rara beleza tendo o deserto como cenário principal e
o sol que parece mais forte através das lentes do cinegrafista Freddie Young capturando
a calidez do mais inóspito dos cenários. Envolve essas imagens a extraordinária
e por vezes sublime música de Maurice Jarre. As sequências de batalha são empolgantes
e a tomada de Damasco comove. Lawrence é mostrado como um homem ambicioso e que
a cada vitória se torna mais arrogante e os mistérios que o torturam não são
claramente desvendados, seu homossexualismo entre eles. O’Toole, por vezes
excessivamente exibicionista, é o astro absoluto e Omar Sharif (esqueça a
canastrice que Sharif normalmente exibia) brilha tanto quanto o protagonista. A
habilidade de Omar montando um camelo é fantástica. No grande elenco despontam Anthony
Quinn como um árabe engraçado e violento e Alex Guinness como o afetado Rei Faisal.
A versão restaurada com 226 minutos (como Lean queria) só foi possível graças
aos esforços de Steven Spielberg e Martin Scorsese, apaixonados pelo épico. 10/10
- Cópia gentilmente cedida
pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.
domingo, 14 de janeiro de 2018
O MONSTRO DA LAGOA NEGRA (Creature from the Black Lagoon), 1954
Na década de 50 Hollywood produziu uma
enxurrada de filmes de ficção-científica, muitos deles com monstros
assustadores. Nenhuma dessas criaturas levadas à tela obteve tanto êxito quanto
aquele habitante da Lagoa Negra que, assim como King-Kong, se deixa fascinar
pela heroína da expedição que se embrenha pela selva amazônica. Esta bem cuidada
produção ‘B’ da Universal, concebida em 3.ª Dimensão, agradou em cheio ao
público e espertamente o estúdio filmou duas sequências, a segunda dirigida
pelo mesmo Jack Arnold, responsável pela aventura inicial. Cientistas entram
Rio Amazonas a dentro e se deparam com a criatura pré-histórica, espécie de
homem-brânquia. Este ao perceber as acrobacias aquáticas de Kay (Julie Adams),
linda cientista, sente-se atraído por ela chegando mesmo a sequestrá-la. O
oceanógrafo David (Richard Carlson) é quem salva Kay e a compaixão despertada
pela criatura anfíbia permite que esta retorne ao seu habitat (e assim
possibilite as lucrativas continuações). Ainda hoje o filme de Arnold
impressiona pelas belas sequências aquáticas e pela concisão e ritmos
perfeitos. Julie Adams, que foi dublada no balé sob as águas, arranca suspiros
também dos espectadores, ela que ficou eternamente marcada como a namorada do
monstro. 8/10 - Cópia gentilmente cedida pelo
cinéfilo José Flávio Mantoani.
quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
O VENTO SERÁ SUA HERANÇA (Inherit the Wind), 1960
Ninguém criava mais
polêmica com seus filmes que o diretor-produtor Stanley Kramer. E foi ele quem
levou ao cinema o famoso caso que foi chamado ‘The Monkey Trial’ (O Processo do
Macaco), ocorrido em 1925. Nesse julgamento um professor foi condenado por dar
aulas de Biologia orientando-se pelo livro “A Origem das Espécies”, de Charles
Darwin, o que era proibido no Estado do Tennessee. Matthew Brady (Fredric March)
advogado conhecido por defender ardorosamente o fundamentalismo religioso
bíblico atua na promotoria e o professor foi defendido pelo também famoso
advogado Henry Drummond (Spencer Tracy). Afinal, Deus criou o homem ou o homem
criou Deus é o que o filme discute e tomando os preceitos e fábulas bíblicos, Drummond
desmonta uma a uma as narrativas das sagradas escrituras. Fanáticos religiosos
sequer foram ao cinema assistir “O Vento Será sua Herança”, que sofreu forte
campanha contrária por parte da National Legion of Decency. Azar deles pois
perderam um dos grandes embates cinematográficos, travado entre Tracy e March em
um filme que mesmo longo e com dois terços passados dentro de tribunal é
emocionante. Spencer Tracy está magistral e March um tanto caricato com uma maquiagem
carregada. O advogado interpretado por Tracy não é outro senão Clarence Darrow
e Gene Kelly um jornalista calcado em H.L. Mencken. 8/10 - Cópia gentilmente cedida
pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.
terça-feira, 9 de janeiro de 2018
A MALVADA (All About Eve), 1950
Raros filmes são tão
brilhantemente escritos, dirigidos e interpretados como “A Malvada”, de Joseph
L. Mankiewicz, também autor do roteiro. Para quem sempre imaginou que o teatro
diferisse do cinema quanto às intrigas de bastidores, artistas com egos
absurdamente inflados e jornalistas capazes de criar e destruir carreiras, este
drama é uma surpresa. Margo Channing (Bette Davis) adota como secretaria Eve
Harrington (Anne Baxter) uma fã cuja insistência beira o fanatismo. A arrogante
Margo jamais poderia imaginar que a tímida Eve é uma pessoa de ilimitada
ousadia e maldade disposta a tomar seu lugar, seu namorado e tudo mais que
puder mesmo que para isso faça uso até de chantagem. O peso dos anos e o
declínio artístico são admiravelmente analisados e, houvesse um prêmio Oscar
para melhor atuação de uma atriz em todos os tempos, certamente Bette Davis
seria fortíssima candidata por sua interpretação como Margo Channing. Memorável
ainda a composição de George Sanders como o sofisticado e poderoso crítico e também
Thelma Ritter como a camareira que logo percebe as intenções de Eve. Num filme que
beira a perfeição o final foi concebido sem inspiração e é gritante que Anne
Baxter jamais teria talento para competir com Bette Davis. Margo Channing e
Norma Desmond (Crepúsculo dos Deuses) são personagens que entraram para a
história do cinema. 9/10 - Cópia gentilmente cedida
pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.
sábado, 6 de janeiro de 2018
CUPIDO É MOLEQUE TEIMOSO (The Awful Truth), 1937
Consta que o elenco desta
comédia nunca teve acesso ao roteiro e que apenas durante as filmagens o
diretor Leo McCarey explicava aos atores o que queria. Ou seja, imperou o
improviso e McCarey mostrou que sabia o que fazia pois esta é daquelas comédias
malucas em que tudo deu certo. No filme o casal Cary Grant e Irene Dunne faz parte da chamada high society de Manhattan e não observa rigorosamente as
normas da monogamia, o que os leva ao (quase) divórcio. A tempo descobrem que, mesmo
com todas as diferenças, nasceram um para o outro e urdem sutilmente tramas
para que seus pretendentes (Ralph Bellamy e Molly Lamont) desistam deles. Os limites
da rígida censura da época são engenhosamente ultrapassados terminando com
Irene Dunne seduzindo o quase ex-marido com olhares tão deliciosos quanto
maliciosos. Como em toda ‘screwball comedy’, as falas se atropelam e o ritmo é
alucinante num filme em que Oklahoma e cowboys em geral são as vítimas das
zombarias dos novaiorquinos com “Home on the Range” na trilha sonora. A
refinada Irene Dunne está inimaginavelmente debochada e Cary Grant não se
esforça muito para repetir o tipo cínico e encantador que é sua especialidade. 9/10
- Cópia gentilmente cedida
pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.
quinta-feira, 4 de janeiro de 2018
LAURA (Laura), 1944
O que faz este filme de Otto Preminger
possuir tantos apaixonados admiradores não são suas muitas qualidades de
excelente melodrama noir, mas sim o excepcional conjunto de frases da mais fina
e cortante ironia. Expressas especialmente por Clifton Webb, Vincent Price e
Judith Anderson, são autênticas farpas eivadas do mais puro e penetrante sarcasmo.
“Posso ter manchas no meu caráter, mas
não nas minhas roupas” responde Shelby Carpenter (Price) num dos melhores
exemplos de como caracterizar um personagem, o que o roteiro faz
esplendidamente. Shelby é um playboy suspeito de um misterioso crime cuja
vítima aparentemente seria Laura (Gene Tierney), por quem o escritor Waldo
Lydecker (Webb) é fascinado. E mesmo o detetive McPherson (Dana Andrews) desenvolve
uma paixão necrófila por Laura a quem só conhece de um quadro. “Laura” é brilhante
não só na bem elaborada trama mas também na ambiguidade de seus personagens
principais, na excepcional fotografia de Joseph LaShelle e na admirável trilha
musical de David Raksin. Gene Tierney nunca esteve mais linda; Vincent Price
curiosamente fora dos tipos que sempre viveu na tela; a ótima Judith Anderson aparece
pouco num filme em que Clifton Webb é o maior destaque. Webb compensa a aparência
excessivamente madura com a inacreditável soberba de seu psicótico personagem. 9/10
- Cópia gentilmente cedida pelo
cinéfilo José Flávio Mantoani.
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