quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

CIMARRON (Cimarron), 1960


Anthony Mann declarou que esta segunda versão do livro de Edna Ferber não é um filme, mas sim um desastre. Considerando-se sua excepcional carreira como diretor de faroestes (maior nome da década de 50 no gênero), Mann não deixa de ter razão. Menos que contar a vida aventureira do pioneiro Yancey Cravat, Ferber (autora de “Giant”) deu mais destaque à esposa de Cravat, Sabra, mulher empreendedora que, abandonada pelo marido torna-se empresária e política bem sucedida. Mas o roteiro encomendado à MGM, em quase tudo diferente da premiada versão de “Cimarron” filmada em 1931, reduziu Sabra (Maria Schell) a uma mulher frágil e submissa ao marido (Glenn Ford). Yancey é mostrado como homem corajoso, íntegro e fiel a seus princípios, sempre de modo inconvincente, aliás como quase tudo nesta saga que acompanha por 40 anos a formação do então Território de Oklahoma. O ponto alto do filme e que consumiu mais da metade de seu orçamento foi a corrida pelas terras em 22 de abril de 1889, muito bem filmada por Mann. Fora isso “Cimarron” é menos um western e mais um cansativo melodrama que não esquece de tocar no preconceito contra os índios. Anne Baxter como ‘Dixie’, uma prostituta por quem Yancey tem atração, tem a melhor interpretação do elenco, seguida por Russ Tamblyn. Esta superprodução que nunca se pagou foi último western de Anthony Mann. 4/10




terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

PIERROT LE FOU (O Demônio das Onze Horas), 1965


Jean-Luc Godard costumava dizer que não havia mais filmes a se fazer. Então reinventou o modo de filmar sendo a maior influência em cineastas de todo mundo (especialmente nossos cinemanovistas). “Pierrot Le Fou” melhor que qualquer outro de seus filmes é inovador na forma e conteúdo embora Godard superestime seu espectador com uma narrativa por vezes caótica nem sempre fácil de ser seguida. Ferdinand Griffon (Jean-Paul Belmondo) é casado e resolve deixar sua confortável vida burguesa em Paris partindo para uma aventura com a jovem Marianne (Anna Karina). A moça tem uma vida dupla, dedicada também ao amante e ao tráfico de armas. Pierrot descobre e se desespera colocando fim à traição. Godard fez de “Pierrot Le Fou” uma colagem com espaço para o que mais admirava: o filme policial, citações literárias, quadrinhos, pintura e música. Tudo num filme luminoso passado em sua maior parte próximo ao Mar Mediterrâneo, filme que em momentos se torna sublime por seu lirismo. O frenético ritmo das sequências violentas é interrompido ou por comicidade ou pela sensualidade de Anna Karina sem que haja qualquer apelo ao sexo. Espécie de “Bonnie & Clyde” com alma. O diretor já estava separado da atriz (com quem fez sete filmes), mas a prova de amor que é “Pierrot le Fou” é comovente. O bruto Belmondo está admirável como homem intelectualizado. A obra-prima não só da Nouvelle Vague, mas do cinema. 10/10



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

SUPLÍCIO DE UMA SAUDADE (Love is a Many Splendored Thing), 1955


Este drama romântico fez muito sucesso, não só pela presença de William Holden, então o galã número um do cinema, mas também impulsionado por sua canção-tema que todos os apaixonados cantarolavam sem parar. Filmado em locações e capturando o exotismo de Hong-Kong, narra a história autobiográfica de uma médica eurasiana, viúva, que se apaixona por um jornalista casado. Dirigido por Henry King, “Suplício de uma Saudade” toca superficialmente no momentoso assunto da época que era a ditadura que Mao-Tsé Tung na República Popular da China. A Dr.ª Han Suyin (Jennifer Jones), filha de pai chinês e mãe inglesa se vê entre o dilema de retornar à China ou permanecer em Hong Kong, onde trabalha, tudo porque ela e Mark Elliott (William Holden) se apaixonam perdidamente. Como correspondente de guerra Mark segue para o front na Coréia onde é morto e a médica chora a ausência de seu amado com os versos da bela canção de Webster-Fain (vencedora do Oscar) se encarregando de provocar as lágrimas dos espectadores. Holden parece estranho (e sem graça) fora de seu tipo cínico habitual deixando Jennifer Jones dominar o filme com ótima atuação apesar da carregada maquiagem para transformá-la em oriental. A história real de Han Suyin torna-se banal e sem consistência, mas certamente agradará aos românticos incuráveis. 6/10



sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

O JOVEM FRANKENSTEIN (Young Frankenstein), 1974


Estreando na direção com “Primavera para Hitler” em 1967, imaginava-se que Mel Brooks não conseguiria repetir outra comédia tão engraçada. Porém sua paródia dos clássicos da Universal dos anos 30 baseados no personagem de Mary Shelley, se igualou em comicidade à sátira musical sobre o 3rd Reich. Longe de ser apenas um deboche, “O Jovem Frankenstein”, filmado em preto e branco, é fiel ao original de 1931 revisitado e passando do horror para a comédia com humor inspirado e non-sense divertidíssimo. O neurocirugião Victor Fronkensteen quer se livrar da inglória ascendência, tanto que até muda seu nome, mas ao visitar o castelo de seu avô médico descobre um livro por ele escrito que ensina a reavivar seres mortos. Repete o que fez o Barão Von Frankenstein e dá vida a uma criatura que lhe cria muitos problemas. O roteiro de Brooks em parceria com Gene Wilder (Victor) criou personagens hilários como Frau Blücher (Cloris Leachman), a ingênua assistente (Teri Garr), a noiva de Victor (Madeline Khan), além da criatura (Peter Boyle) mas nenhum mais engraçado que o irreverente corcunda Igor (Marty Feldman). A deliciosa malícia de cada um deles é de matar de rir, como Frau Blücher provocando Victor. Gene Wilder excelente como o cientista que ao final se sacrifica e ‘troca partes’ com a criatura. Gene Hackman tem pequena participação nesta notável comédia. 9/10




quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

O SAMURAI (Le Samuraï), 1967


A Nouvelle Vague monopolizou tanto espaço no cinema francês com seus principais realizadores que Jean-Pierre Melville, uma das maiores influências do movimento, só conseguiu chamar a atenção da crítica e público com os dois filmes que fez poucos anos antes de falecer. Morto em 1973, aos 55 anos de idade, são de Melville “O Samurai” e “O Círculo Vermelho”, ambos estrelados por Alain Delon. Melville era apaixonado pelos policiais noir de Hollywood dos anos 40 e em “O Samurai” Delon é Jef Costello, um matador de aluguel que usa (como Bogart) capa de gabardine e chapéu. Solitário, lacônico e frio, Costello cumpre um contrato executando uma vítima, não se esquecendo de criar um álibi quase perfeito. Porém a polícia desconfia dele e isso faz com que se torne um arquivo a ser destruído. Costello circula pelas ruas de Paris em Citroëns DS roubados perseguido por policiais e por bandidos ao mesmo tempo. Ele é um personagem melancólico, fatalista e que ao final se deixa matar. O estilo de Melville é econômico nas ações e meditativo ao acompanhar a solidão de Costello. Alain Delon excelente como o introspectivo assassino, vencendo a luta contra a incomum dose de beleza com que foi aquinhoado. Sua então esposa, a bonita Nathalie Delon, é a ‘quase’ prostituta que o ama e François Périer o incansável comissário de polícia. Quentin Tarantino sempre cita Melville como um dos cineastas que mais admira e tenta imitar. 8/10



terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

À QUEIMA-ROUPA (Point Blank), 1967


Pense nos grandes durões do cinema (Bogart, Cagney, Mitchum). Perto de Lee Marvin em “À Queima-Roupa” esses ‘tough guys’ mais parecem meninos de catecismo tal a brutalidade com que seu personagem Walker trata aqueles que se interpõem em seu caminho. Tudo porque Walker enfrenta uma Organização Criminosa da qual um dos membros, Mal Resse (John Vernon) o traiu e se apoderou de 93 mil dólares de um golpe praticado um ano antes. Resse ainda baleou Walker que foi dado como morto e ficou com a esposa deste. Ao final Walker destrói a Organização com a ajuda de sua cunhada (Angie Dickinson) mas não recupera seu dinheiro. O inglês John Boorman realizou com “À Queima-Roupa” um thriller alucinantemente violento com muitos flash-backs, sons ressonantes e diálogos que anunciam novas ações. Algumas sequências permanecem para sempre na memória, entre elas Marvin destruindo um automóvel para obter uma confissão e outra com Angie esmurrando nervosamente o peito de Marvin até cair exausta. Meio século depois de lançado “Point Blank” surpreende por nada dever a tudo que o cinema inventou posteriormente. Lee Marvin estupendo como o ‘Hunter’, numa de suas performances mais ferozes. Angie Dickinson mais sensual que nunca. Filme não indicado àqueles avessos à violência embora esta nunca seja gratuita ou explorada excessivamente. 9/10



sábado, 9 de fevereiro de 2019

REBECCA, A MULHER INESQUECÍVEL (Rebecca), 1940


Estreia em alto estilo de Alfred Hitchcock no cinema norte-americano em produção de David O. Selznick, adaptando o mais famoso livro da escritora inglesa Daphne du Maurier. Nos filmes produzidos por Selznick era ele e mais ninguém quem mandava e o produtor queria repetir “...E o Vento Levou” que sequer havia sido ainda lançado. Chocou-se, no entanto, com Hitchcock que não abria mão de ser o ‘autor’ de seus filmes. Como resultado do inevitável conflito, “Rebecca” oscila entre ser um mero melodrama, como queria Selznick e uma sombria, intensa e aterradora história gótica sem os momentos típicos de suspense mas que deixa o espectador com os nervos à flor da pele, como Hitch gostava de fazer. Uma jovem e tímida dama de companhia (Joan Fontaine) se casa com o rico viúvo Maxime de Winter (Laurence Olivier) que há um ano perdera a esposa Rebecca em circunstâncias estranhas. O casal vai morar no castelo de Manderley, de propriedade do marido onde, embora morta, Rebecca persegue os pensamentos de Maxime e assombra também sua segunda esposa. A governanta (Judith Anderson) que adorava a falecida procura manter viva a memória de Rebecca. Joan Fontaine, aos 22 anos, está extraordinária; Olivier discreto; Judith Anderson cria uma sinistra e inesquecível vilã com nuances homossexuais. Música, fotografia e direção perfeitos neste que é um dos grandes filmes de Hitchcock. 9/10





quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

A NOITE (La Notte), 1961


Esta segunda parte da trilogia de Michelangelo Antonioni, entre “A Aventura” e “O Eclipse” divaga pelo universo preferido do diretor, o da dificuldade de comunicação que leva à deterioração de relacionamentos. Lídia (Jeanne Moreau) é casada com o escritor Giovanni Pontano (Marcello Mastroianni) e sofre porque sabe que o marido não resiste ao encanto de outras mulheres. Em uma festa promovida por um industrial de Milão em sua mansão, Giovanni flerta com Valentina (Monica Vitti), a filha do ricaço e despedaça um pouco mais a angustiada Lídia que se sente perdida em meio à frivolidade reinante no local. Menos importante que essa subtrama é Antonioni mostrar como o tédio e a melancolia destroem as pessoas, mesmo elas vivendo em uma cidade pulsante como Milão. Lídia vaga longamente pela cidade em busca de algo que não existe, a solução para seu casamento. Valentina é outra figura patética que não sabe o que fazer de sua vida. Entre ambos Giovanni, personagem em tudo parecido com o jornalista Marcello de “La Dolce Vita” (até o terno parece ser o mesmo), apenas que Fellini incute em seu protagonista uma dimensão humana que Antonioni sequer rascunhou. Destaca o diretor a presença da mulher num filme com visão claramente feminista com Jeanne Moreau traduzindo admiravelmente a angústia de Lídia enquanto Mastroianni jamais se despe da nada comovente comiseração. A música incidental é quase toda jazzística neste premiado, influente e soturno drama. 7/10