segunda-feira, 31 de julho de 2017

PEREGRINOS DA ESPERANÇA (THE SUNDOWNERS), 1961


Por vezes o título nacional é mais feliz que o original, como neste caso. ‘Sundowners’ são os nômades australianos que param suas caminhadas ao pôr-do-sol. Assim é a família Carmody, formada por Paddy (Robert Mitchum), Ida (Deborah Kerr) e o filho Sean (Michael Anderson Jr.). Mãe e filho invejam quem estabelece um lar, uma casa que tenha uma cozinha para ela e uma cama de verdade para dormir. Paddy no entanto é um autêntico ‘sundowner’ e a eles se junta Rupert Venneker (Peter Ustinov), um alegre ex-homem do mar. O filme narra as aventuras (e desventuras) da família com o marido se empregando como tosquiador, o filho participando de corridas de cavalos e a esposa eternamente melancólica pois jamais seu desejo se realiza. Agradável saga de uma família típica da Austrália, realizada com fotografia que realça a beleza das paisagens mas que peca por ser longa demais e sentir a mão pesada de Fred Zinnemann. Há em “Peregrinos da Esperança” muito do que se viu em “Depois do Vendaval”, mas falta o lirismo e o humor do filme de John Ford. Reunião de Mitchum com Deborah Kerr, inteiramente desglamurizada mas linda e ótima como a paciente esposa do marido jogador e beberrão. Peter Ustinov enche a tela com seu talento. 7/10





sexta-feira, 28 de julho de 2017

O CÍRCULO DO MEDO (Cape Fear), 1962


‘A vingança é um prato que se come frio’, é a filosofia de Max Cady (Robert Mitchum) que arquiteta a mais cruel das vinganças já mostradas em um filme. O promotor Sam Bowden (Gregory Peck) condenou Cady e deve pagar por tê-lo feito amargar longa temporada na prisão. Dirigido por J. Lee Thompson, este é um suspense para estômagos fortes pois chega a ser repulsivo graças à interpretação demoníaca de Bob Mitchum, certamente a melhor de sua excepcional carreira. Seu personagem zomba da lei (que conhece bem) aterroriza a família de Bowden cuja vida se transforma em insuportável pesadelo. O magnífico roteiro coloca o cidadão correto à mercê do inteligente bandido numa odiosa inversão de valores muito comum em nossa sociedade. A censura obrigou a exclusão de sequências em que Cady olha libidinosamente para a filha de Bowden e estupra a esposa deste não sem antes borrifá-la com um ovo que arrebenta com as mãos numa inimaginável metáfora sexual. Mas o que restou na tela é repugnante para os padrões de Hollywood o que levou muitos críticos a rotularem como pornografia, o que evidentemente não é. Mitchum está soberbo, Peck tem bom desempenho à sombra de Bob. No elenco ainda a ótima Polly Bergen, Telly Savalas e Barrie Chase que se confessou intimidada com a força de Mitchum. A trilha de Bernard Herrmann é uma das mais perfeitas do grande compositor. 9/10





quinta-feira, 27 de julho de 2017

RANCOR (Crossfire), 1947


Quando ainda estava na U.S. Navy durante a II Grande Guerra Richard Brooks escreveu uma história sobre um homossexual morto por soldados bêbados. A RKO comprou os direitos cinematográficos mas o Código Hays proibia a palavra ‘homossexual’ nos filmes e então o roteiro tratou a vítima como judeu. A Guerra havia findado há pouco, o holocausto havia horrorizado o mundo e o anti-semitismo era, então, um tema atualíssimo. A direção foi entregue a Edward Dmytryk com Robert Young liderando um elenco que tinha ainda os promissores Robert Mitchum e Robert Ryan. “Rancor” é um excelente policial noir que foge aos padrões pela temática que aborda, até então inédita em Hollywood e também por ser um ‘marine’ o intolerante e sádico assassino. Fazendo uso de flashbacks a história é contada dispensando o mistério característico ao gênero pois cedo sabe-se quem é o autor do crime. Ainda que o ‘judeu’ tenha sido morto pelo anti-semitismo do militar, Dmytryk deixa claro que a vítima carregava consigo a disfarçada outra marca de intolerância. Robert Ryan domina todo o filme como o perverso soldado, tipo que viria a repetir tantas vezes na tela sempre com invulgar brilho. Robert Mitchum vale pelo primeiro diálogo com Robert Young, Gloria Grahame atraente e ainda o ótimo Sam Levene como o infeliz judeu. 7/10




segunda-feira, 24 de julho de 2017

O ANJO E O BANDIDO (Angel and the Badman), 1947


Para quem gosta de John Wayne bruto, desaforado e sempre pronto para uma boa troca de tiros este western da Republic Pictures não é recomendado. Ele é o bandido e Gail Russell a mocinha Quaker que o transforma num homem que passa a evitar a violência e ao final deixa de ser um fora-da-lei também com a ajuda do xerife Harry Carey. James Edward Grant, diretor e autor da história insiste durante todo o filme na capacidade que a Sociedade Religiosa dos Amigos (Quakers) com a pureza moral e pacifismo de sua pregação converta os homens para o caminho do bem, exatamente o que acontece com o personagem de Wayne. Os melhores momentos deste western ficam por conta de Yakima Cannut que dirigiu as sequências de ação: briga no saloon, estouro de manada e perseguição a uma carroça em disparada que despenca num rio. O Duke pouco faz além de namorar a jovem Quaker, mesmo porque passa muito tempo desarmado e ainda assim tem magnífica interpretação. Harry Carey cansa o espectador a cada entrada em cena, enquanto Paul Hurst brilha na curta sequência em que aparece. Produtor pela primeira vez, Wayne não disfarça estar apaixonado pela delicada Gail Russell, então sua protegida na vida real. 6/10





sábado, 22 de julho de 2017

DESENCANTO (Brief Encounter), 1945


Mais conhecido pelas superproduções como “Lawrence da Arábia”, “Dr. Jivago” e “A Ponte do Rio Kwai” que arrebataram muitos prêmios Oscar, David Lean dirigiu também pequenos filmes como o cultuado “Desencanto”. Neste caso um pequeno grande filme baseado em peça de Noel Coward narrando os encontros de uma mulher e um médico num café em uma estação de trens. Morando em subúrbios diferentes, ambos casados e chegando à meia idade, se apaixonam perdidamente sem consumar fisicamente o amor que os envolve. Esta história tocante prima pela extrema simplicidade dando maior ênfase ao drama da esposa e sua patética relação com o marido. Martirizada pelas mentiras que se vê obrigada a inventar para justificar os encontros sucumbe afinal ao amor que a domina irresistivelmente. A sequência do apartamento emprestado para o encontro que é frustrado com a chegada do amigo gay, é ambígua e somente Noel Coward parece ter se divertido com a intromissão. Lean extrai singularmente sensíveis interpretações de Celia Johnson e Trevor Howard com a tragédia amorosa sendo melancolicamente pontuada pela música de Sergei Rachmaninoff e a execução do Concerto N.º 2 para Piano. 9/10



quarta-feira, 19 de julho de 2017

OS ASSASSINOS (The Killers), 1946


O conto “The Killers”, de Ernest Hemingway publicado em 1927, tinha apenas oito páginas e foi expandido por John Huston sem que este recebesse o crédito do roteiro que ficou para Anthony Veiller. Mark Hellinger produziu este filme cujo custo e a falta de grandes nomes no elenco indicava ser apenas mais um noir ‘B’. Tanto que a direção ficou a cargo de Robert Siodmak e a cinematografia com Elwood Bredell, nomes pouco importantes no cenário de Hollywood. Hemingway que demonstrara preocupação porque seu conto se transformara muito, inclusive com novos personagens, elogiou a nova história. E que história, que roteiro e que assombroso pequeno grande filme Siodmak realizou para a felicidade do famoso escritor! Tenso do princípio ao fim “Os Assassinos” é narrado em nada menos que onze flash-backs com um roteiro intrincadamente perfeito e com incontáveis momentos de emoção. A começar pela morte, logo no início, do desencantado boxeador interpretado por Burt Lancaster. Nesta sua brilhante estreia Lancaster deixava claro que o cinema ganhava um grande ator. Aos 23 anos de idade, Ava Gardner cria uma fascinante e maravilhosamente perversa amante do gângster Albert Dekker. Um dos melhores e mais fatalistas policiais noir já produzidos, 10/10






UM DIA EM NOVA YORK (On the Town), 1949


Leonard Bernstein criou aquele que é um dos mais importantes musicais da Broadway e do cinema, “West Side Story”. Esse extraordinário maestro compositor tem, no entanto, seu nome ligado a apenas dois outros filmes: “Sindicato de Ladrões” e “Um Dia em Nova York”. Só esse fato já torna obrigatório este musical filmado em 1949 e baseado em um balé de Jerome Robbins e que Bernstein musicou e levou à Broadway com letras das canções de autoria de Betty Comden e Adolph Green. “Um Dia em Nova York”, o musical preferido de Gene Kelly que o co-dirigiu com Stanley Donen, é radiante como o sol que desponta no início do filme com os três felizes marinheiros saindo do navio para as 24 horas livres que terão em Nova York. São eles Kelly, Frank Sinatra e Jules Munshin que encontram as não menos animadas Ann Miller, Betty Garrett e Vera-Ellen. Números de dança magníficos com Kelly e Vera-Ellen, o sapateado de Ann Miller com suas pernas perfeitas à mostra, a voz mais maravilhosa que nunca do ainda jovem Sinatra e os inspiradíssimos (alguns hilariantes) versos das canções, várias delas com música de Rogers Edens. “Um Dia em Nova York” é um desses musicais que só Hollywood era capaz de fazer e que lotava as salas de exibição dando satisfação total ao público ávido pela arte do musical. 9/10




sexta-feira, 7 de julho de 2017

A MORTE NÃO MANDA RECADO (The Ballad of Cable Hogue), 1970


Sam Peckinpah dizia ser este seu faroeste preferido, mesmo sendo o menos visto (foi boicotado no lançamento pela Warner Bros.) e fugindo aos padrões de violência que Peckinpah imprimia a seus trabalhos. Mais uma vez o diretor aborda o tema do crepúsculo do Velho Oeste, aqui com a chegada das máquinas motorizadas que tornaram obsoletas as diligências. Justamente elas que fizeram com que o rato do deserto Cable Hogue, deixado para morrer por seus comparsas, descobre água e se torna um bem sucedido empreendedor. Até que por ironia do destino e sem aviso prévio a morte lhe prega uma peça, como diz o título nacional. A violência não é excessiva porque Peckinpah quis fazer um western com comicidade e com um lírico romance entre Hildy (Stella Stevens) uma adorável prostituta e Hogue (Jason Robards). Mesmo arrastado em alguns momentos e com o caso amoroso que não funciona bem (Peckinpah não tinha talento para romances), “A Morte Não Manda Aviso” é agradável de se ver. Jason Robards está formidável, David Warner como o libidinoso pregador faz rir bastante, assim como o ótimo Strother Martin. A sensual Stella Stevens nunca esteve mais linda e desejável. 7/10





terça-feira, 4 de julho de 2017

INFÂMIA (The Chldren's Hour), 1961


25 anos após a primeira versão para o cinema da peça de Lillian Hellman, o mesmo William Wyler entendeu que poderia ser mais fiel ao texto original do que o fora no filme de 1936. A censura havia abrandado um pouco, mas palavras como lesbianismo ainda não podiam ser pronunciadas num filme norte-americano. O impecável texto de Lillian Hellman conta a história de duas professoras que são vítimas de uma mentira divulgada por uma aluna de 12 anos dizendo serem as duas mestras amantes. O rumor se espalha rapidamente e a sociedade local se volta contra elas destruindo suas vidas. Hellman, dissimuladamente, sempre afirmou que o que pretendia era mostrar o poder devastador de uma calúnia, mas o tema crucial é o do relacionamento ‘não natural’ entre as moças, como chamado no filme. Ou ‘reconhecimento sexual recíproco pecaminoso’ como define a sentença judicial que puniu as professoras. Wyler realizou um filme tão intenso quanto soturno preservando a qualidade do texto original de Lillian Hellman, errando, porém, na escolha dos papéis que deviam ser trocados com Audrey Hepburn como a professora que confessa sua tendência homossexual. Deu oportunidade, no entanto para uma excepcional interpretação de Shirley MacLaine. Intragável a menina malévola interpretada por Karen Balkin. 9/10





domingo, 2 de julho de 2017

INFÂMIA (These Three), 1936


A primeira peça de Lillian Hellman foi “The Children’s Hour”, peça que fez enorme sucesso na Broadway e provocou controvérsia por tocar no tema do lesbianismo. Levado ao cinema o texto de Hellman foi devidamente pasteurizado mudando até mesmo o título que passou a ser “These Three”. Desapareceu no filme dirigido por William Wyler a relação amorosa entre as duas amigas professoras para ser criado um triângulo ‘normal’ com a participação do Dr. Cardin (Joel McCrea). A trama de “Infâmia” gira em torno de uma mentira inventada por uma menina diabolicamente maledicente que acaba por destruir a reputação das professoras, não o suficiente para que o drama não tenha um final feliz, como o Código Hays impunha. Wyler era um admirável contador de histórias e mesmo sem abordar diretamente o fulcro do texto realizou um bom filme. Atrevidamente permaneceu uma frase que a censura deixou passar, quando McCrea diz: “Vamos recomeçar outra vez... Nós três juntos.” E ficou a ambígua resignação da personagem de Miriam Hopkins que pode ser entendida também como prova de amor. Bonita Granville, aos 13 anos de idade rouba o filme dos atores adultos e Wyler insatisfeito com o resultado decidiu refilmá-lo 25 anos depois. 8/10