Por vezes o título nacional
é mais feliz que o original, como neste caso. ‘Sundowners’ são os nômades
australianos que param suas caminhadas ao pôr-do-sol. Assim é a família Carmody,
formada por Paddy (Robert Mitchum), Ida (Deborah Kerr) e o filho Sean (Michael Anderson
Jr.). Mãe e filho invejam quem estabelece um lar, uma casa que tenha uma
cozinha para ela e uma cama de verdade para dormir. Paddy no entanto é um
autêntico ‘sundowner’ e a eles se junta Rupert Venneker (Peter Ustinov), um
alegre ex-homem do mar. O filme narra as aventuras (e desventuras) da família
com o marido se empregando como tosquiador, o filho participando de corridas de
cavalos e a esposa eternamente melancólica pois jamais seu desejo se realiza. Agradável
saga de uma família típica da Austrália, realizada com fotografia que realça a
beleza das paisagens mas que peca por ser longa demais e sentir a mão pesada de
Fred Zinnemann. Há em “Peregrinos da Esperança” muito do que se viu em “Depois
do Vendaval”, mas falta o lirismo e o humor do filme de John Ford. Reunião de
Mitchum com Deborah Kerr, inteiramente desglamurizada mas linda e ótima como a
paciente esposa do marido jogador e beberrão. Peter Ustinov enche a tela com
seu talento. 7/10
segunda-feira, 31 de julho de 2017
sexta-feira, 28 de julho de 2017
O CÍRCULO DO MEDO (Cape Fear), 1962
‘A vingança é um prato que se
come frio’, é a filosofia de Max Cady (Robert Mitchum) que arquiteta a mais
cruel das vinganças já mostradas em um filme. O promotor Sam Bowden (Gregory
Peck) condenou Cady e deve pagar por tê-lo feito amargar longa temporada na
prisão. Dirigido por J. Lee Thompson, este é um suspense para estômagos fortes
pois chega a ser repulsivo graças à interpretação demoníaca de Bob Mitchum,
certamente a melhor de sua excepcional carreira. Seu personagem zomba da lei
(que conhece bem) aterroriza a família de Bowden cuja vida se transforma em insuportável
pesadelo. O magnífico roteiro coloca o cidadão correto à mercê do inteligente bandido
numa odiosa inversão de valores muito comum em nossa sociedade. A censura
obrigou a exclusão de sequências em que Cady olha libidinosamente para a filha
de Bowden e estupra a esposa deste não sem antes borrifá-la com um ovo que
arrebenta com as mãos numa inimaginável metáfora sexual. Mas o que restou na
tela é repugnante para os padrões de Hollywood o que levou muitos críticos a
rotularem como pornografia, o que evidentemente não é. Mitchum está soberbo,
Peck tem bom desempenho à sombra de Bob. No elenco ainda a ótima Polly Bergen,
Telly Savalas e Barrie Chase que se confessou intimidada com a força de
Mitchum. A trilha de Bernard Herrmann é uma das mais perfeitas do grande
compositor. 9/10
quinta-feira, 27 de julho de 2017
RANCOR (Crossfire), 1947
Quando ainda estava na U.S.
Navy durante a II Grande Guerra Richard Brooks escreveu uma história sobre um
homossexual morto por soldados bêbados. A RKO comprou os direitos cinematográficos
mas o Código Hays proibia a palavra ‘homossexual’ nos filmes e então o roteiro
tratou a vítima como judeu. A Guerra havia findado há pouco, o holocausto havia
horrorizado o mundo e o anti-semitismo era, então, um tema atualíssimo. A
direção foi entregue a Edward Dmytryk com Robert Young liderando um elenco que
tinha ainda os promissores Robert Mitchum e Robert Ryan. “Rancor” é um
excelente policial noir que foge aos padrões pela temática que aborda, até
então inédita em Hollywood e também por ser um ‘marine’ o intolerante e sádico
assassino. Fazendo uso de flashbacks a história é contada dispensando o
mistério característico ao gênero pois cedo sabe-se quem é o autor do crime.
Ainda que o ‘judeu’ tenha sido morto pelo anti-semitismo do militar, Dmytryk
deixa claro que a vítima carregava consigo a disfarçada outra marca de
intolerância. Robert Ryan domina todo o filme como o perverso soldado, tipo que
viria a repetir tantas vezes na tela sempre com invulgar brilho. Robert Mitchum
vale pelo primeiro diálogo com Robert Young, Gloria Grahame atraente e ainda o
ótimo Sam Levene como o infeliz judeu. 7/10
segunda-feira, 24 de julho de 2017
O ANJO E O BANDIDO (Angel and the Badman), 1947
Para quem gosta de John
Wayne bruto, desaforado e sempre pronto para uma boa troca de tiros este
western da Republic Pictures não é recomendado. Ele é o bandido e Gail Russell
a mocinha Quaker que o transforma num homem que passa a evitar a violência e ao
final deixa de ser um fora-da-lei também com a ajuda do xerife Harry Carey. James
Edward Grant, diretor e autor da história insiste durante todo o filme na
capacidade que a Sociedade Religiosa dos Amigos (Quakers) com a pureza moral e
pacifismo de sua pregação converta os homens para o caminho do bem, exatamente
o que acontece com o personagem de Wayne. Os melhores momentos deste western
ficam por conta de Yakima Cannut que dirigiu as sequências de ação: briga no
saloon, estouro de manada e perseguição a uma carroça em disparada que despenca
num rio. O Duke pouco faz além de namorar a jovem Quaker, mesmo porque passa
muito tempo desarmado e ainda assim tem magnífica interpretação. Harry Carey
cansa o espectador a cada entrada em cena, enquanto Paul Hurst brilha na curta
sequência em que aparece. Produtor pela primeira vez, Wayne não disfarça estar
apaixonado pela delicada Gail Russell, então sua protegida na vida real. 6/10
sábado, 22 de julho de 2017
DESENCANTO (Brief Encounter), 1945
Mais conhecido pelas
superproduções como “Lawrence da Arábia”, “Dr. Jivago” e “A Ponte do Rio Kwai”
que arrebataram muitos prêmios Oscar, David Lean dirigiu também pequenos filmes
como o cultuado “Desencanto”. Neste caso um pequeno grande filme baseado em peça
de Noel Coward narrando os encontros de uma mulher e um médico num café em uma
estação de trens. Morando em subúrbios diferentes, ambos casados e chegando à
meia idade, se apaixonam perdidamente sem consumar fisicamente o amor que os
envolve. Esta história tocante prima pela extrema simplicidade dando maior
ênfase ao drama da esposa e sua patética relação com o marido. Martirizada
pelas mentiras que se vê obrigada a inventar para justificar os encontros sucumbe
afinal ao amor que a domina irresistivelmente. A sequência do apartamento emprestado
para o encontro que é frustrado com a chegada do amigo gay, é ambígua e somente
Noel Coward parece ter se divertido com a intromissão. Lean extrai singularmente
sensíveis interpretações de Celia Johnson e Trevor Howard com a tragédia
amorosa sendo melancolicamente pontuada pela música de Sergei Rachmaninoff e a
execução do Concerto N.º 2 para Piano. 9/10
quarta-feira, 19 de julho de 2017
OS ASSASSINOS (The Killers), 1946
O conto “The Killers”, de Ernest
Hemingway publicado em 1927, tinha apenas oito páginas e foi expandido por John
Huston sem que este recebesse o crédito do roteiro que ficou para Anthony Veiller.
Mark Hellinger produziu este filme cujo custo e a falta de grandes nomes no
elenco indicava ser apenas mais um noir ‘B’. Tanto que a direção ficou a cargo
de Robert Siodmak e a cinematografia com Elwood Bredell, nomes pouco importantes
no cenário de Hollywood. Hemingway que demonstrara preocupação porque seu conto
se transformara muito, inclusive com novos personagens, elogiou a nova história.
E que história, que roteiro e que assombroso pequeno grande filme Siodmak
realizou para a felicidade do famoso escritor! Tenso do princípio ao fim “Os Assassinos”
é narrado em nada menos que onze flash-backs com um roteiro intrincadamente perfeito
e com incontáveis momentos de emoção. A começar pela morte, logo no início, do
desencantado boxeador interpretado por Burt Lancaster. Nesta sua brilhante
estreia Lancaster deixava claro que o cinema ganhava um grande ator. Aos 23
anos de idade, Ava Gardner cria uma fascinante e maravilhosamente perversa amante
do gângster Albert Dekker. Um dos melhores e mais fatalistas policiais noir já
produzidos, 10/10
UM DIA EM NOVA YORK (On the Town), 1949
Leonard Bernstein criou
aquele que é um dos mais importantes musicais da Broadway e do cinema, “West
Side Story”. Esse extraordinário maestro compositor tem, no entanto, seu nome
ligado a apenas dois outros filmes: “Sindicato de Ladrões” e “Um Dia em Nova
York”. Só esse fato já torna obrigatório este musical filmado em 1949 e baseado
em um balé de Jerome Robbins e que Bernstein musicou e levou à Broadway com
letras das canções de autoria de Betty Comden e Adolph Green. “Um Dia em Nova
York”, o musical preferido de Gene Kelly que o co-dirigiu com Stanley Donen, é
radiante como o sol que desponta no início do filme com os três felizes
marinheiros saindo do navio para as 24 horas livres que terão em Nova York. São
eles Kelly, Frank Sinatra e Jules Munshin que encontram as não menos animadas
Ann Miller, Betty Garrett e Vera-Ellen. Números de dança magníficos com Kelly e
Vera-Ellen, o sapateado de Ann Miller com suas pernas perfeitas à mostra, a voz
mais maravilhosa que nunca do ainda jovem Sinatra e os inspiradíssimos (alguns
hilariantes) versos das canções, várias delas com música de Rogers Edens. “Um
Dia em Nova York” é um desses musicais que só Hollywood era capaz de fazer e
que lotava as salas de exibição dando satisfação total ao público ávido pela
arte do musical. 9/10
sexta-feira, 7 de julho de 2017
A MORTE NÃO MANDA RECADO (The Ballad of Cable Hogue), 1970
Sam Peckinpah dizia ser este
seu faroeste preferido, mesmo sendo o menos visto (foi boicotado no lançamento
pela Warner Bros.) e fugindo aos padrões de violência que Peckinpah imprimia a
seus trabalhos. Mais uma vez o diretor aborda o tema do crepúsculo do Velho
Oeste, aqui com a chegada das máquinas motorizadas que tornaram obsoletas as
diligências. Justamente elas que fizeram com que o rato do deserto Cable Hogue,
deixado para morrer por seus comparsas, descobre água e se torna um bem
sucedido empreendedor. Até que por ironia do destino e sem aviso prévio a morte
lhe prega uma peça, como diz o título nacional. A violência não é excessiva
porque Peckinpah quis fazer um western com comicidade e com um lírico romance
entre Hildy (Stella Stevens) uma adorável prostituta e Hogue (Jason Robards).
Mesmo arrastado em alguns momentos e com o caso amoroso que não funciona bem (Peckinpah
não tinha talento para romances), “A Morte Não Manda Aviso” é agradável de se
ver. Jason Robards está formidável, David Warner como o libidinoso pregador faz
rir bastante, assim como o ótimo Strother Martin. A sensual Stella Stevens nunca
esteve mais linda e desejável. 7/10
terça-feira, 4 de julho de 2017
INFÂMIA (The Chldren's Hour), 1961
25 anos após a primeira
versão para o cinema da peça de Lillian Hellman, o mesmo William Wyler entendeu
que poderia ser mais fiel ao texto original do que o fora no filme de 1936. A
censura havia abrandado um pouco, mas palavras como lesbianismo ainda não
podiam ser pronunciadas num filme norte-americano. O impecável texto de Lillian
Hellman conta a história de duas professoras que são vítimas de uma mentira divulgada
por uma aluna de 12 anos dizendo serem as duas mestras amantes. O rumor se
espalha rapidamente e a sociedade local se volta contra elas destruindo suas
vidas. Hellman, dissimuladamente, sempre afirmou que o que pretendia era
mostrar o poder devastador de uma calúnia, mas o tema crucial é o do
relacionamento ‘não natural’ entre as moças, como chamado no filme. Ou ‘reconhecimento
sexual recíproco pecaminoso’ como define a sentença judicial que puniu as
professoras. Wyler realizou um filme tão intenso quanto soturno preservando a
qualidade do texto original de Lillian Hellman, errando, porém, na escolha dos
papéis que deviam ser trocados com Audrey Hepburn como a professora que
confessa sua tendência homossexual. Deu oportunidade, no entanto para uma
excepcional interpretação de Shirley MacLaine. Intragável a menina malévola
interpretada por Karen Balkin. 9/10
domingo, 2 de julho de 2017
INFÂMIA (These Three), 1936
A primeira peça de Lillian
Hellman foi “The Children’s Hour”, peça que fez enorme sucesso na Broadway e
provocou controvérsia por tocar no tema do lesbianismo. Levado ao cinema o
texto de Hellman foi devidamente pasteurizado mudando até mesmo o título que
passou a ser “These Three”. Desapareceu no filme dirigido por William Wyler a
relação amorosa entre as duas amigas professoras para ser criado um triângulo ‘normal’
com a participação do Dr. Cardin (Joel McCrea). A trama de “Infâmia” gira em
torno de uma mentira inventada por uma menina diabolicamente maledicente que acaba
por destruir a reputação das professoras, não o suficiente para que o drama não
tenha um final feliz, como o Código Hays impunha. Wyler era um admirável contador
de histórias e mesmo sem abordar diretamente o fulcro do texto realizou um bom
filme. Atrevidamente permaneceu uma frase que a censura deixou passar, quando
McCrea diz: “Vamos recomeçar outra vez... Nós três juntos.” E ficou a ambígua
resignação da personagem de Miriam Hopkins que pode ser entendida também como
prova de amor. Bonita Granville, aos 13 anos de idade rouba o filme dos atores
adultos e Wyler insatisfeito com o resultado decidiu refilmá-lo 25 anos depois.
8/10
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