O maior problema dos
musicais é fazer o espectador manter o interesse na história que é concebida
para exibir números cantados e/ou dançados. Quando o roteiro, mesmo recheado de
canções envolve e cativa o público é porque esse filme extrapolou os limites do
gênero. É o que acontece com este radiante musical da Metro dirigido por Stanley
Donen e coreografado magnificamente por Michael Kidd. Se as canções de Gene de
Paul com letras de Johnny Mercer não se tornaram imortais como as de outros
musicais, as danças que mesclam balé com acrobacias plenas de energia se
tornaram antológicas. Entre estas a “House-Raising Dance” (com disputa entre os
grupos rivais) e a maravilhosamente singela “Lonesome Polecat”. Baseado no episódio
“O Rapto das Sabinas” narrado por Plutarco, seis rudes irmãos fazendeiros do
Oregon, em 1850, são domados pela cunhada Milly (Jane Powell) casada com o
irmão mais velho Adam (Howard Keel). Desesperados pela falta de namoradas os
irmãos pioneiros raptam seis belas moças da cidade e no momento mais hilariante
do filme todas afirmam serem mães do bebê de Milly. Dalton Trumbo lembrou-se
disso na famosa sequência em que pergunta: “Quem é Spartacus?” no épico de
Stanley Kubrick. Jane Powell formidável supera Howard Keel mesmo com seu
vozeirão no mais machista dos musicais. 10/10
terça-feira, 31 de outubro de 2017
domingo, 29 de outubro de 2017
ALMAS PERVERSAS (Scarlet Street), 1945
Fritz Lang praticamente
refilmou sequência a sequência “A Cadela”, drama de Jean Renoir de 1931, ao recontar
a história do homem medíocre com talento oculto de pintor que se envolve com
uma prostituta e seu gigolô. No entanto o alemão realizou um filme original
para os padrões noir ao reunir o trio que dirigira um ano antes no clássico “Um
Retrato de Mulher”. Não há o detetive charmoso, mas sim o patético contador de
meia-idade (Edward G. Robinson) enquanto a despudorada mulher fatal (Joan
Bennett) se humilha e se compraz a cada tapa que leva do rufião (Dan Duryea). Lang
dá ao personagem do contador-pintor uma carga de humanidade rara no gênero mais
ainda com o excepcional desempenho de Robinson, na mesma proporção em que cria
as almas perversas do apropriado título nacional. Duryea deixa de lado seu
estilo característico de psicopata dando lugar ao violento explorador que se vê
acusado de um crime que não cometeu. Joan Bennett sedutora como a oportunista
que se faz passar por pintora. Os aspectos psicológicos de “Almas Perversas”
são realçados pela magnífica fotografia que Milton Krasner consegue com as
composições expressionistas de Fritz Lang concebidas todas em estúdio. O final
diferente do filme de Renoir não é exatamente inspirado, ainda que melancólico
como deveria ser. 9/10
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
O IMPERADOR DO NORTE (Emperor of the North), 1973
Filme estrelado por Lee
Marvin é sempre imperdível e quando na companhia de Ernest Borgnine ai então se
torna imprescindível. Lee Marvin e Ernest Borgnine atuaram juntos em seis
filmes sendo este dirigido por Robert Aldrich aquele em que melhor puderam
confrontar seus talentos interpretando tipos brutais, os seus preferidos. Borgnine é ‘Shack’ o temido chefe do ‘Trem
n.º 19’, no qual vagabundo nenhum viaja clandestinamente, o que era comum no
pior momento da depressão (1933) quando se passa a história. ‘Shack’ é
desafiado por ‘Number One’ (Marvin) que pretende completar a viagem até
Portland. O encontro, um dos mais violentos do cinema, se dá sobre um vagão de
carga no clímax de um filme que não economiza na selvageria dos personagens
principais. A tudo assiste o jovem ‘Cigaret’ (Keith Carradine), pretenso
impostor que quer ser o herdeiro de ‘Number One’. Sam Peckinpah desistiu de
dirigir e Aldrich mostrou que estava à altura de um filme que chocou quando foi
exibido. Marvin contido mas perfeito, como de hábito, enquanto Borgnine se mostra
insuperável quando é para ser sádico. 8/10 - Cópia gentilmente cedida
pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.
domingo, 22 de outubro de 2017
TARDE DEMAIS PARA ESQUECER (An Affair to Remember), 1957
Eleito pelo American Film Institute
como o 5.º melhor filme romântico de todos os tempos, esta história de amor
ainda deve agradar aos românticos incuráveis. Refilmagem de “Duas Vidas”, que o
próprio Leo McCarey havia filmado em 1939, “Tarde Demais para Esquecer” abusa
do sentimentalismo que o diretor utilizou em seus filmes mais festejados dos
anos 40. Desta vez McCarey busca atingir a sensibilidade dos eternos
apaixonados ao contar como Cary Grant e Deborah Kerr sofrem até o doloroso
reencontro. Quem aceitar Cary Grant como um artista-pintor nas horas vagas em
que deixa de ser irresistível playboy e ainda a suave Deborah Kerr como cantora
de night-club não terá problemas em encharcar lenços com o final tão meloso
quanto forçado. McCarey que muito fez rir dirigindo Laurel & Hardy, os Irmãos
Marx (em seu melhor momento) e ainda Harold Lloyd escreveu a história, roteiro
(com Delmer Daves) e ainda a letra da canção que fez enorme sucesso e perdeu o
Oscar de Melhor Canção para “All the Way”. A sempre magnífica Deborah Kerr em
momento menor foi dublada nas canções pela bela voz de Marni Nixon que já a
dublara em “O Rei e Eu”, enquanto Cary Grant (aos 53 anos) está maduro demais. “Sintonia
de Amor” (1993) que se baseou na mesma história é em tudo superior ao filme de
McCarey. - 6/10
terça-feira, 17 de outubro de 2017
FUGA DO PASSADO (Out of the Past), 1947
Muito apropriadamente Mestre A.C. Gomes
de Mattos afirmou que “Fuga do Passado” é um verdadeiro manancial de elementos
noirs. Nesta obra-prima do gênero as reviravoltas do roteiro com inúmeras traições
se sucedem interminavelmente levando o espectador menos atento a ter
dificuldade em acompanhar a trama, como bem confessou o crítico do ‘New York
Times’ Bosley Crowther. Mesmo com esses elementos comuns a um filme noir, “Fuga
do Passado” é a exata confluência de roteiro inteligente, cinematografia preciosa
sem preciosismo, direção sem excessos e elenco impecável. Bob Mitchum é um
ex-detetive que se vê às voltas com Jane Greer, a irresistível ex-mulher do gângster
Kirk Douglas. Boa parte do filme se passa em cenários abertos da Califórnia e Acapulco,
mas as sequências em ambientes fechados primorosamente iluminadas pelo
cinegrafista Nicholas Musuraca é o ponto alto deste que é o melhor filme de
Jacques Tourneur. O roteiro final é de Frank Fenton, que não foi creditado.
Primeiro filme de Robert Mitchum como astro principal com atuação fascinante como
detetive particular viril e ao mesmo tempo vulnerável. A fraqueza dele fica por
conta de Jane Greer, a mais angelical mulher fatal do cinema. Kirk Douglas aqui
como coadjuvante tenta o impossível que é roubar as cenas de Mitchum. 10/10 - Cópia gentilmente cedida pelo
cinéfilo José Flávio Mantoani.
quarta-feira, 11 de outubro de 2017
PEQUENO GRANDE HOMEM (Little Big Man), 1970
Jack Crabb, um jovem branco
adotado pelos Cheyennes de quem recebeu o nome de nativo de ‘Little Big Man’,
viveu por 121 anos nesta história de Thomas Berger levada ao cinema por Arthur Penn.
Crabb narra a um historiador fatos de sua vida, como se tornou filho adotivo do
chefe ‘Old Lodge Skins’, se tornou amigo de Wild Bill Hickok, conheceu Buffalo
Bill e por pouco não matou o General Custer. Sob o comando deste, Crabb/Little
Big Man foi o único sobrevivente em Little Big Horn, tendo presenciado ainda o
massacre de Wishita River. Arthur Penn faz uso da onipresença do personagem
para o mais profundo revisionismo dos mitos do velho Oeste. Dividido em
capítulos desiguais, alguns mais sarcásticos, outros trágicos, o massacre de Wishita
River é o grande momento deste western, massacre à época entendido como
referência à matança de MyLai ocorrido dois anos antes na Guerra do Vietnã.
Dustin Hoffman é Jack Crabb, com sua eterna aparência jovem, assistindo ao
magnífico trabalho de Chief Dan George, primeiro nativo a interpretar um
personagem importante num western e chegando a ser indicado para o Oscar. Faye
Dunnaway inesquecível no lúbrico banho que dá em Jack Crabb. Jeff Corey é
Hickok e Richard Mulligan o desvairado Custer. Grande sucesso de bilheteria, o
que é incomum para um faroeste desmistificador como este. 8/10
segunda-feira, 9 de outubro de 2017
MEU TIO (Mon Oncle), 1958
Jacques Tati fez apenas
cinco longa-metragens em sua carreira como diretor e “Meu Tio” é considerada
sua obra-prima. Esta comédia recebeu diversos prêmios internacionais, inclusive
o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Tati foi comparado aos gênios da comédia
como Chaplin e Buster Keaton. A ‘invenção’ de Jacques Tati nas trapalhadas de
seu personagem Monsieur Hulot é fazer o mínimo uso de diálogos buscando o humor
puramente visual completado com música e emprego insistente de ruídos. Aqui o
desengonçado Hulot, sempre carregando seu guarda-chuva, é um estorvo na vida de
seu cunhado (Jean-Pierre Zola), homem bem sucedido cuja casa é um conjunto de
máquinas inteiramente automatizadas. Tati mira sua crítica na frieza da vida
mecanizada e numa sequência vital um amigo de Hulot é aplaudido por ter
corrigido com ferramentas comuns um erro de um aparelho. A figura de Monsieur
Hulot é mais engraçada do que as confusões que sua estupidez provoca, assim
como “Meu Tio” e Tati foram, ambos, superestimados. Riso aberto mesmo acontece sempre
que o dachshund ‘Daki’ entra em cena. As gags com o automatismo repetem-se à exaustão,
além de explícitas demais. 1958 não foi o melhor dos anos para filmes de língua
não-inglesa, mas “Os Eternos Desconhecidos” faz rir só de lembrar o inepto
bando de ladrões, perdendo o Oscar para “Meu Tio”. 6/10
domingo, 8 de outubro de 2017
CADA UM VIVE COMO QUER (Five Easy Pieces), 1970
Woody Allen sempre
perseguiu o sonho de fazer um filme bergmaniano em Hollywood mas foi Bob
Rafelson quem mais próximo chegou do mestre sueco com este drama. Uma tevê no
começo de “Cada Um Vive Como Quer” exibe “Do Mundo Nada Se Leva”, o que
erroneamente pode levar a pensar que o otimismo da comédia de Frank Capra seja a
tônica desta extraordinária película realizada em 1970. Após se tornar
conhecido com “Sem Destino” Jack Nicholson impressionou crítica e público ao
interpretar Robert Eroica Dupea, um homem desajustado que abandona a promissora
vida de pianista para trabalhar em uma refinaria de petróleo. Vivendo com uma
garçonete (Karen Black) que sonha vir a ser uma nova Tammy Winette, Robert
volta à casa do pai para confirmar que aquele não é seu mundo, mesmo sem saber
se há algum lugar e pessoas com quem ele possa se entender. Filme denso mesmo
sem ter uma história para contar e que como nenhum outro narra os conflitos
pessoais de um homem em busca de sua individualidade. Nicholson se tornou o maior
astro de seu tempo mas jamais superou seu brilhante desempenho como o instável
Robert Dupea. Karen Black magnífica como a patética garçonete e presença
marcante também da lindíssima Susan Anspach. Bob Rafelson refilmou “O Destino
Bate à Porta”, mas este é não só seu grande filme como um dos melhores dos anos
70. 10/10 - Cópia gentilmente cedida
pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.
sexta-feira, 6 de outubro de 2017
CHAGA DE FOGO (Detective Story), 1951
William Wyler assistiu a
uma das 600 apresentações na Broadway da peça “Detective Story” e logo pensou: “Vai
dar um bom filme”. Porém transferir as limitações de uma encenação para o
cinema não é tarefa das mais fáceis, menos para este grande cineasta. Wyler
optou por fazer o filme com toda a ação passada dentro do 21.º Distrito de
Polícia de Nova York, como na peça, e aquilo que poderia ser claustrofóbico nas
mãos de um diretor qualquer resultou num drama intenso em cada um dos 103
minutos de duração. Kirk Douglas é o rígido detetive que não transige no
cumprimento da lei, no caso, colocar na cadeia um médico que pratica abortos.
Paralelamente outras histórias se passam dentro do distrito policial, cada uma
delas envolvendo inteiramente o espectador. Lee Grant em seu primeiro filme, como
uma jovem ladra, observa todas as ocorrências e os mais diversos tipos que
passam pela delegacia (George Stevens emulou esse personagem com o garotinho de
“Shane”). Kirk Douglas que tem uma de suas mais excepcionais atuações como o
amargurado policial, nem lembrado foi para o Oscar num filme que teve quatro
indicações (Direção, Roteiro e as atrizes Lee Grant e Eleanor Parker). Joseph Wiseman
em início de carreira é o alucinado ladrão homicida. 9/10 - Cópia gentilmente cedida
pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.
quarta-feira, 4 de outubro de 2017
RUMO AO INFERNO (The Narrow Margin), 1952
Pode uma produção B de apenas
72 minutos ter sua história indicada para o Oscar da categoria? Foi o que
aconteceu com este policial noir de Richard Fleischer filmado em 13 dias, que
ficou dois anos esperando por seu lançamento e se tornou a maior bilheteria da
RKO naquele ano mesmo sem nenhuma estrela em seu elenco. Após assisti-lo Howard
Hughes queria refilmá-lo com Robert Mitchum como o policial que tem a missão de
levar a esposa de um mafioso de Chicago para Los Angeles, numa viagem de trem.
Uma nova versão da eletrizante história escrita por Earl Felton só veio a
ocorrer em 1990 com Gene Hackman no papel de Charles McGraw. Uma inesperada
mudança dá mais sabor à ação com a personagem de Marie Windsor ganhando maior
importância neste que foi outro de seus belos trabalhos no cinema. Não há
música incidental durante o filme, o que não prejudica a tensão que aumenta a
cada instante e embora quase toda a ação transcorra dentro de um trem, o filme
foi engenhosamente concebido por Richard Fleischer. Atenção para a engraçada e
enigmática figura do gordo Paul Maxey. Tipo de filme que extrapola a condição
de complemento do filme principal nos saudosos programas duplos dos cinemas. 9/10 - Cópia gentilmente cedida
pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.
domingo, 1 de outubro de 2017
O DESTINO BATE À PORTA (The Postman Always Rings Twice), 1946
Barbara Stanwyck pode ter
sido a mulher fatal mais impressionante dos dramas noir ao interpretar Phyllis
Dietrichson. Nenhuma outra atriz, no entanto, foi mais sexy e provocou mais
desejos que Lana Turner como a esposa infiel de Cecil Kellaway que trama a
morte do marido com o amante John Garfield em “O Destino Bate à Porta”. Escrito
pelo mesmo James M. Cain, autor especialista em histórias com mulheres
adúlteras e assassinatos, este drama se desenvolve numa incrível tensão sexual
em sua primeira e fascinante primeira metade. As inúmeras e inesperadas mudanças
que se sucedem tornam o filme de Tay Garnett eletrizante mesmo quando deriva
para mera história policial. O único senão do roteiro é a permissividade do
velho marido (uma quase cumplicidade), que bem poderia ser evitada. À exceção
de Lana Turner nunca mais linda, sensual e boa atriz, todo o elenco é composto
por atores distante do padrão de elegância e beleza que Hollywood costumava
apresentar. Mesmo porque a história se passa em um modesto posto de
gasolina-restaurante de beira de estrada. Cecil Kellaway excelente e John
Garfield muito bom completam o triângulo amoroso, este capaz de espancar o
fortíssimo Alan Reed... Ainda no elenco Hume Cronyn como um sagaz e nada ganancioso
advogado. Clássico absoluto do gênero. 9/10 - Cópia gentilmente cedida pelo
cinéfilo José Flávio Mantoani.
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