Saudado como renovador da
linguagem cinematográfica em sua estreia como diretor com “Acossado”, o ex-crítico
Jean-Luc Godard decidiu em seu terceiro longa metragem demonstrar que não havia
limites para sua criatividade. “Viver a Vida”, drama sobre a jovem Nana (Anna
Karina) que se torna prostituta em Paris, foi a história que Godard dividiu em
doze quadros e a única explicação para essa ‘novidade’ talvez seja mostrar ao
mundo que as narrativas convencionais não funcionavam. Sob uma falsa
simplicidade o ego de Godard dá asas a sua arrogância e pretensa genialidade
testando até onde é capaz de irritar o espectador. Um diálogo de quase cinco
minutos em que se vê somente as nucas dos personagens, o monocórdico tema
bruscamente truncado de Michel Legrand, os cortes que destróem o ritmo do filme,
cansativas literatices e filosofices formam a nova estética ditada pelo
inventivo francês. Entre as muitas citações há “Joana D’Arc” de Dreyer na tela
em justaposição à mártir moderna que é Nana e, pasmem, um cartaz de “Spartacus”
em meio ao trottoir de uma rua parisiense. Kubrick rebaixado pelo gênio Godard.
Os belíssimos olhos de Anna Karina são motivo único de satisfação neste filme com
que o autor quer homenagear os clássicos ‘B’ e cuja cena final, a morte de
Nana, é de um amadorismo chocante. 3/10
sábado, 30 de dezembro de 2017
sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
DANÇA COM LOBOS (Dances with Wolves), 1990
Realizar, em sua primeira
experiência como diretor, um filme como “Dança com Lobos” foi um ato de
inacreditável coragem e audácia de Kevin Costner. Durante os quatro meses de
filmagem muitos ironicamente chamavam o filme de ‘Kevin’s Gate’ numa referência
ao fracassado “Heaven’s Gate” de Michael Cimino. Isto porque tudo parecia
indicar que um western contando a história de um oficial que passa a viver
entre os índios ainda durante a Guerra de Secessão jamais atrairia o público. Porém
nem a mais otimista das previsões poderia imaginar que “Dança com Lobos”
receberia sete prêmios Oscar, inclusive os de Melhor Filme e Melhor Diretor e
menos ainda que se tornasse enorme sucesso de bilheteria. Kostner é o tenente John
Dunbar que se torna amigo de uma tribo Sioux e se casa com uma mulher branca
que vive entre os índios desde pequena. Protetor dos Siouxes que se tornaram
parte de sua vida, Dunbar é considerado traidor pelo Exército cujos soldados
são mostrados como homens da pior espécie em contraste com os idealizados
índios. Maravilhosas cinematografia e música (ambas premiadas com Oscars) ressaltam
o encantamento que Kostner conseguiu num filme que, mesmo sem ser perfeito,
envolve o espectador que não se dá conta das mais de três horas de duração. 9/10
sábado, 9 de dezembro de 2017
HOUVE UMA VEZ UM VERÃO (Summer of '42), 1971
Este filme de Robert Mulligan
é um daqueles dramas nostálgicos que marcou muita gente que, ao assisti-lo, se
lembrou de seus dias de adolescente. Especialmente os rapazes que recordaram da
primeira vez, tão complicada quanto enfrentar o dono da farmácia para comprar o
primeiro preservativo. A trilha sonora de Michel Legrand premiada com o Oscar
embala a fantasia de Hermie (Gary Grimes), jovem de 15 anos que enlouquece ao conhecer Dorothy (Jennifer O’Neill). Esta bela mulher recebe a notícia que seu marido foi morto em
combate na II Grande Guerra e surpreendentemente, nessa mesma noite, acaba
levando o rapazola para a cama. Quando do lançamento do livro e do filme ainda
não havia o surto do politicamente correto e a personagem da recém viúva não
foi acusada de pedofilia, como seria hoje. E é justamente essa incoerente
reação da mulher que compromete a história que descreve com certa delicadeza e
alguma graça os devaneios dos adolescentes. O filme termina com o narrador
(Robert Mulligan) dizendo que naquele verão Hermie tornou-se homem num final pretensamente
‘aberto’ e poético. Jerry Houser ótimo como o jovem mais decidido, enquanto Gary
Grimes está bem como o aturdido rapazinho sortudo. Jennifer O’Neill é tão linda
que seria exigir demais que fosse também boa atriz. Dois anos depois deste
filme George Lucas realizaria o melhor dos filmes sobre adolescentes. 6/10
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
AMEI UM BICHEIRO, 1953
A Atlântida reinava com as
rentáveis chanchadas no início da década de 50 quando Jorge Ileli decidiu remar
contra a correnteza e fazer cinema em outro gênero, o policial noir, então
ainda em voga. Ileli roterizou a história de autoria de Jorge Dória e a dirigiu
em parceria com Paulo Wanderley tendo como diretor assistente (José) Carlos Manga.
O resultado da reunião desse grupo foi o muito bom “Amei um Bicheiro” que aborda
o submundo do jogo do bicho, contravenção penal que mantinha a polícia ocupada
num tempo em que não se falava em tráfico de drogas e armas. José Lewgoy é o
banqueiro enganado por seu braço direito Cyl Farney que tem uma razão premente
para trair o chefe: a necessidade de dinheiro para operar sua esposa Eliana. A
queridinha da Atlântida não é a loura fatal da história, personagem que ficou
para a francesa Josette Bertal. A dupla Ileli-Wanderley desenvolve a história
magnificamente e a atmosfera noir criada pelo cinegrafista Amleto Daissé torna
o Rio amedrontador com suas ruas mal iluminadas, cenário perfeito para este
melodrama policial. Grande Otelo tem, segundo ele próprio considera, sua melhor
atuação em um filme e a sequência de sua morte é marcante. Num ótimo elenco que
conta ainda com Jece Valadão, Wilson Grey e Aurélio Teixeira em pequenos papeis
até a dramaticamente limitada Eliana rende mais do que o esperado. 8/10
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
UMA AVENTURA NA ÁFRICA (The African Queen), 1951
Filmado metade dele em
penosas condições no Congo e em Uganda, com a quase totalidade da equipe
vitimada por variados tipos de doenças e com a improvável reunião de Humphrey
Bogart com Katharine Hepburn sob a direção de John Huston, “Uma Aventura na
África” resultou num filme arrebatador. Katharine como uma missionária que se
vê obrigada a fugir dos alemães navegando no ‘African Queen’, o velho barco de
30 pés e mais de 30 anos de vida, ao lado do rude e beberrão Bogart, dono do
barco. Com a ação se passando no início da 1.a Grande Guerra, enfrentam todo
tipo de perigo, desde corredeiras, jacarés, sanguessugas, mosquitos, chuvas
torrenciais e os alemães, claro. Decidem afinal que o ‘African Queen’ deve
colidir e torpedear um canhoneiro germânico. Em meio a isso tudo nasce um romance
singelo que até parece que Kate e Bogey se amavam de verdade fora da tela. A
empatia entre ambos é enternecedora, ela delicada e impetuosa e ele em grande
atuação fora do estereótipo que marcou sua carreira. A direção de Huston é
notável, ainda mais quando se sabe que muitas sequências foram filmadas em
estúdio sem que o espectador se dê conta disso e também da história pouco plausível
ainda que baseada em fato real. 9/10
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
QUANDO É PRECISO SER HOMEM (Soldier Blue), 1970
A versão original deste
western continha 135 minutos de duração, versão reduzida para 112 minutos tendo
sido excluídas inúmeras sequências de extremada violência. Ainda assim o filme
de Ralph Nelson é mais lembrado por ser um dos mais violentos faroestes
revisionistas feitos sob os ecos da guerra do Vietnã, cujas atrocidades
inspiraram o diretor segundo ele confessou. Iniciando com a dizimação por parte
dos Cheyennes de um pelotão de 21 soldados o filme termina com um horripilante
massacre de centenas de índios, a maior parte mulheres e crianças, citando a
carnificina ocorrida em Sand Creek em 1864. Entre esses dois momentos de ação transcorre
uma anêmica história de amor entre uma mulher branca que viveu entre os
Cheyennes e um casto soldado. “Quando É
Preciso Ser Homem” é não só violento, mas tem também forte dose de erotismo com
Candice Bergen semidespida demonstrando que sua beleza é inversamente proporcional
a seu talento como atriz. Fraco também é Peter Strauss que interpreta o soldado
que consegue por algum tempo resistir aos encantos de Candice. Donald Pleasence
menos psicótico que em outros filmes e John Anderson é o ‘Custer’ da história. Ralph
Nelson comprova que ser simpático aos índios, denunciar um genocídio e
exacerbar nas cenas de selvageria não são suficientes para se fazer um bom
filme. 5/10
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
INFERNO 17 (Stalag 17), 1953
Após assistir a peça na
Broadway Billy Wilder pediu à Paramount que adquirisse os direitos da montagem
de “Stalag 17” para o cinema. O estúdio queria Charlton Heston no papel
principal mas Wilder não pretendia ninguém heroico para interpretar o cínico,
pragmático e nada altruísta sargento prisioneiro. William Holden foi o nome
imposto pelo diretor, a contragosto do estúdio. O país ainda estava aturdido
com o Macarthismo e Wilder praticamente refez todo o texto teatral para demonstrar
o quanto se injustiçou homens de bem em nome de um pseudo americanismo. “Inferno
17” fez enorme sucesso e deu um imerecido Oscar de Melhor Ator a Bill Holden,
certamente compensação por seu trabalho em “Crepúsculo dos Deuses”. Ainda que
não se alinhe entre os muitos excepcionais filmes de Wilder, “Inferno 17” é excelente
e só não é melhor porque não conseguiu ele o equilíbrio certo entre drama e
comédia, no que aliás era mestre. Os pretensos momentos engraçados são longos
demais e Robert Strauss (Animal) e Harvey Lembeck (Shapiro) põem quase tudo a
perder. Negativo também é mostrar os alemães como idiotizados e mesmo assim Sig
Ruman é quem faz rir e Otto Preminger está impressionante como o cruel
comandante do campo. A sequência da revelação do verdadeiro espião é primorosa
e inesquecível. 8/10
quinta-feira, 16 de novembro de 2017
SABES O QUE QUERO (The Girl Can't Help It), 1956
Quando o rock ‘n’ roll
explodiu claro que Hollywood tentou se aproveitar da novidade. Quase sempre com
filmes sem imaginação e em preto e branco até que a Fox colocou na tela, em
Cinemascope e Technicolor alguns dos grandes pioneiros do rock (e outros nem
tanto). Que festa ver a energia de Little Richard, a classe de Fats Domino, a
suavidade da voz de Tony Williams com os Platters! A história deste musical não
é nenhuma preciosidade, mais servindo, como fazia nosso cinema nos anos 50,
para apresentar o vasto número de cantores e conjuntos de rock. A diferença é
que a direção de Frank Tashlin dá o ritmo ideal e cria gags ótimas entre uma
canção e outra. Mas mesmo que “Sabes o que Quero” não fosse uma agradável
comédia ela seria imperdível pela presença notável de Julie London interpretando
“Cry me a River”. Tom Ewell é o agente que levou Julie London ao sucesso e o gângster
Edmond O’Brien quer que Tom repita a estratégia com sua namorada Jayne
Mansfield. Mas a exuberante Jayne não sabe cantar e ainda se apaixona por Tom
Ewell (afinal o que ele tem? Marilyn, Jayne...). Edmond O’Brien fazendo comédia
é uma piada e Jayne Mansfield está perfeita na imitação da ‘dumb blonde’ (loura
burra) que Marilyn Monroe eternizou. Filmado antes do escândalo ‘Payola’, o
filme mostra a força das juke-boxes nos anos 50. 8/10
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
SUPREMA CONQUISTA (Twentieth Century), 1934
Após o magnífico “Scarface”
e outros bons filmes, Howard Hawks era o mais promissor entre os diretores
norte-americanos, mas foi com “Suprema Conquista”, realizado em 1934, que Hawks
se tornou de fato um diretor notável. Não que este seu filme seja a obra-prima
que Peter Bogdanovich afirma ser, mas sim porque com ele Howard Hawks inventou
o gênero ‘screwball comedy’ ou comédia maluca que tanto sucesso viria a fazer
nos anos seguintes. Caracterizando-se por um ritmo frenético e diálogos tão
inteligentes quanto espirituosos este tipo de comédia só funciona bem com
atores atuando próximos da perfeição, como foi o caso de John Barrymore e
Carole Lombard. Ele como um produtor teatral possessivo, egocêntrico e
literalmente teatral em seus gestos e discurso; ela como a atriz que alcança o
sucesso (no cinema) após ser burilada por ele para os palcos. ‘Twentieth
Century’ é o nome do famoso trem que ligava Nova York a Chicago em
inacreditáveis 16 horas. Com grande parte da ação do filme se passando dentro
do tem em movimento é ele uma metáfora para o ritmo vertiginoso dos diálogos de
Ben Hecht e Charles MacArthur (Preston Sturges colaborou sem ser creditado) que
exageram no uso de nomes mais ligados ao meio artístico. Já decadente Barrymore
brilha intensamente e Carole Lombard deixa a impressão de uma perda irreparável
para o cinema com sua morte aos 33 anos de idade. 8/10
sexta-feira, 10 de novembro de 2017
SEMENTES DE VIOLÊNCIA (Blackboard Jungle), 1955
Mais lembrado pelo pioneirismo em utilizar um rock’n’roll (“Rock
Around the Clock”) em sua trilha sonora, ainda que somente durante os créditos,
este drama de Richard Brooks é também o primeiro filme a abordar diretamente os
conflitos internos de uma escola norte-americana. A ‘North Manual High School’,
em Nova York, é onde o jovem professor Glenn Ford consegue se empregar após dar
baixa da U.S. Navy. O que encontra nessa escola o faz comparar com as batalhas
durante a II Guerra tal a disposição de uma turma de alunos em destruir seus
ideais de professor. Sarcasmo nas respostas e irreverência nas atitudes não são
nada perto das agressões e prejuízo à vida pessoal do mestre. A primeira metade
deste filme é primorosa na apresentação dos problemas que a parte final se
apressa em solucionar de forma demasiadamente inconvincente. Comum quando o
assunto é rebeldia de adolescentes é o uso de atores que há tempos deixaram de
ser teens, caso de Sidney Poitier, Vic Morrow e Paul Mazurski, então
respectivamente com 27, 25 e 24 anos. Mesmo irregular este é um filme
importante por denunciar o sistema escolar e dura vida dos professores que
ganhavam dois dólares por aula. O sempre menosprezado Glenn Ford tem uma de
suas mais brilhantes atuações e Sidney Poitier não deixava nenhuma dúvida sobre
o grande ator que seria. 7/10 Cópia gentilmente cedida
pelo cinéfilo José Flávio Mantoani.
terça-feira, 7 de novembro de 2017
SE MEU APARTAMENTO FALASSE (The Apartment), 1960
Faltava ao maior provocador
de Hollywood penetrar nas mazelas do mundo corporativo novaiorquino e Billy
Wilder fez isso ao contar a história de um funcionário que, para subir na
empresa, emprestava seu apartamento a seus superiores. C.C. Baxter (Jack
Lemmon) tem ascensão meteórica na gigantesca seguradora em que trabalha e a
grande promoção se dá quando um alto executivo (Fred MacMurray) usa o
apartamento de Baxter para encontros. Para lá ele leva a ascensorista (Shirley
MacLaine) de quem Baxter gosta, formando-se uma confusão que por pouco não
termina em tragédia. “Se Meu Apartamento Falasse” começa como comédia e aos
poucos se transforma em envolvente drama pelas mãos de Wilder que era mestre em
destruir a falsa moralidade com seu agudo cinismo. Shirley MacLaine, Lemmon e
MacMurray colaboram decisivamente com atuações impecáveis, mas o mérito maior é
de Billy Wilder que foi premiado com os dois Oscars mais importantes do ano:
Melhor Diretor e Melhor Roteiro (em parceria com I.A.L. Diamond), além de
Melhor Filme do Ano. A Academia se penitenciou pela injustiça cometida com
“Quanto Mais Quente Melhor” e coroou a extraordinária sequência de grandes
películas de Wilder na década. Claro que a Legião de Decência detestou este
filme que foi uma das maiores bilheterias do ano. 9/10
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