No mesmo ano em que Orson
Welles estreou com o ruidoso “Cidadão Kane”, John Huston fazia também seu
primeiro filme e igualmente a ‘Kane’ um marco cinematográfico. Levada às telas
pela terceira vez, a história “O Falcão Maltês” de Dashiell Hammett não
prometia mais que apenas outro policial rotineiro, mas “Relíquia Macabra” foi
muito além disso. Com roteiro também de Huston que praticamente transcreveu a novela
de Hammett sobre a busca de uma estatueta valiosíssima que rodava pelo mundo
desde o século XIV, o diretor realizou um filme que se tornou instantaneamente
influente. O estilo noir ainda não existia como tendência, mas John Huston criou,
sem malabarismos de câmara ou iluminação, um clássico que teve a feliz escolha
de Humphrey Bogart para interpretar o cínico, violento, homofóbico e amoral
detetive Sam Spade. Na disputa pela preciosa relíquia Spade se defronta com um
trio inesquecível de vilões formado por Sidney Greenstreet e Peter Lorre, ambos
latentemente homossexuais, e mais o psicótico Elisha Cook Jr. Mentirosa, fria e
distante da comum mulher fatal Mary Astor completa o esplêndido elenco do filme
que elevou Bogart à condição de astro. 9/10
Diretor:
Revisto 30 anos após seu
lançamento este filme de Federico Fellini não causou o mesmo impacto pois o
mundo havia mudado bastante em três décadas. Em 1960 o Vaticano tentara proibir
sua exibição, declarando-o, através de seus jornais, um filme blasfemo, um verdadeiro
sacrilégio, tendo sido banido em alguns países católicos. Assistido quase 60
anos depois esta realização de Fellini mostra-se atemporal e universal em
muitos aspectos que não aqueles que chocaram ao mostrar o hedonismo, a
devassidão e a frivolidade retratada na Roma dos anos 60. Sem nenhuma pretensão
de inovação cinematográfica, “La Dolce Vita” criou uma nova forma de fazer
cinema, com um tipo de narrativa onde aparentemente nada acontece mas que magicamente
envolve o espectador. É a atmosfera felliniana que seduz e conduz aos
simbolismos que seu filme contém, à crítica social e à futilidade de
comportamento. Não há uma trama estabelecida e o único personagem central é o
do jornalista Marcello, através de quem a sardônica prosa de Fellini dividida
em sete episódios transcorre por quase três horas sem jamais cansar o
espectador. Marcello Mastroianni revelou-se com este filme um dos grandes
sedutores do cinema e ao mesmo tempo um admirável ator. Ao lado de “Amarcord”
as obras-primas de Fellini. 10/10
Diretor:
Depois da bem sucedida artística e comercialmente
‘Trilogia dos Dólares’, Sergio Leone entendeu que chegara a hora de lembrar ao
mundo que sua criatividade não conhecia limites. Com “Era Uma Vez no Oeste” o
diretor italiano pretendeu mostrar a chegada da civilização ao Velho Oeste
realizando um filme majestoso e deslumbrante. Atingiu seu objetivo pois nenhum
outro western se compara a “Era Uma Vez no Oeste” quanto a impressionar pelo
lirismo elegíaco de suas imagens. Reconhecido tanto por sua inventividade
quanto por seus excessos, Leone não dosou devidamente seu estilo ao conceber
uma grande ópera-western. Esta suprema teatralização do gênero mereceria ser
creditada como um filme de Sergio Leone e Ennio Morricone pela importância da
música do genial maestro-compositor da qual as imagens não podem ser
dissociadas. Preocupado em fazer excessivas referências aos westerns
norte-americanos que tanto reverenciava, por vezes o roteiro denuncia que a
preocupação de Leone era menos com a história e mais com as possibilidades dos
elaboradíssimos maneirismos de seu estilo.
Claudia Cardinale está mais linda que nunca compensando sua limitação
como atriz dramática. Henry Fonda perfeito como o cruel vilão e Charles Bronson
faz de tudo para que se esqueça que Harmônica foi imaginado para Clint
Eastwood. 8/10 - Resenha completa no blog http://westerncinemania.blogspot.com.br/
Diretor:
Dalton Trumbo escreveu, em
1949, uma história diferente mas que lembrava Cinderela ao contrário. Uma
princesa que se apaixona por um simples jornalista, história que o próprio
Trumbo roteirizou antes de se tornar um dos ‘Dez de Hollywood’. O projeto acabou
nas mãos de William Wyler que, em 1953, cansado de tantos filmes dramáticos
queria filmar algo mais leve e foi para Roma rodar “A Princesa e o Plebeu”.
Gregory Peck é o jornalista e a novata em Hollywood, aos 23 anos de idade e
belga de nascimento, Audrey Hepburn é a princesa que cansada da rotina
burocrática foge do palácio onde está hospedada em Roma e vive 24 horas distante
do conforto da realeza. Wyler realizou uma das mais adoráveis comédias
românticas do cinema e revelou ao mundo uma atriz por quem todos se
apaixonaram. A graça, a elegância, a discreta sofisticação, o charme
irresistível e a beleza de Audrey somaram-se ao seu admirável talento como
atriz. Gregory Peck está magnífico como o jornalista que muda seus planos ao se
descobrir apaixonado pela princesa e méritos para William Wyler que comprova mais
uma vez ser um excepcional diretor de atores. Audrey recebeu o Oscar de Melhor
Atriz, bem como o roteiro de Dalton Trumbo e “A Princesa e o Plebeu” fez enorme
sucesso. Daqueles filmes que mereciam ser em cores para melhor se ver Audrey e
Roma. 9/10
Diretor:
Um filme norte-americano é selecionado para preservação na Biblioteca do
Congresso se ele tiver significação cultural, histórica ou estética. Pois “Curva
do Destino”, uma produção baratíssima da pequena Producers Releasing
Corporation (PRC), produtora mais lembrada por suas séries de westerns-B,
obteve essa honraria que só grandes clássicos conseguem. Dirigido pelo austro-húngaro
Edgar G. Ulmer, “Curva do Destino” é um dos mais perfeitos exemplos de autêntico
filme noir com seus 68 minutos de duração permeados pelo fatalismo comum ao
gênero. Narrado em primeira pessoa pelo irritadiço e pessimista anti-herói (Tom
Neal), “Detour” traz a impressionante caracterização da mulher fatal, cruel e opressiva
(Ann Savage). O personagem de Neal faz uma série de opções erradas, ilógicas
mesmo e típicas de quem vive um pesadelo, o que o leva ao desvio do título original.
Numa das melhores frases do excepcional roteiro de Martin Goldsmith, Neal diz
que para onde quer que vá o destino lhe aplicará uma rasteira. Estilo visual e
narrativa magníficos com destaque para as interpretações de Neal e Ann Savage,
esta perto de quem Phyllis Dietrichson (Barbara Stawyck) é até suave. 8/10
Diretor:
Nada indicava que aquele
diretor chamado Jules Dassin, perseguido pelo macarthismo e que se exilara na
Europa, faria uma das mais encantadoras comédias do cinema. Da filmografia de
Dassin constava dramas e policiais sombrios mas seu sonho era dirigir a
história que escrevera sobre uma cativante prostituta, algo que naqueles
tempos era fora de cogitação. Casado com a atriz grega Melina Mercouri, ela era
a meretriz perfeita que saciava a fome de amor de quase todos os homens do porto
de Pireus, a qualquer hora de qualquer dia da semana, menos nos domingos. Esse
dia Ilya reservava para assistir às tragédias gregas que para ela tinham sempre
um final feliz, fosse “Édipo-Rei” ou “Medéia”. E a felicidade de Ilya era
completada pelo prazer que proporcionava a sua numerosa clientela, até que um
norte-americano que está em busca da ‘verdade da vida’ consegue entristecer a
radiante Ilya. O tema de “Nunca aos Domingos” discute se a Filosofia, a
moralidade e as artes em geral podem por si só tornar alguém feliz, concluindo que não. A
música de Manos Hadjidakis é magnífica e a música-tema foi a primeira canção
estrangeira a ser premiada com o Oscar. Dassin está maçante como o antipático
turista que se mete na vida de Ilya, mas Tito Vandis (Jorgo) só brilha menos
que a adorável, sedutora e maravilhosa Melina. 9/10
Diretor:
A guerra fria entre USA e
URRS prosseguia e cada contendor usava as armas que podia. O cinema era uma das
formas de os norte-americanos atacarem e em 1957 Hollywood realizou uma sátira
mordaz ao regime soviético com a comédia musical “Meias de Seda”, refilmagem do
clássico “Ninotchka” com Greta Garbo. Se no filme de 1939 havia o texto
irresistível de Billy Wilder e Charles Brackett, em “Meias de Seda” há música,
dança e Paris para ‘corromper’ Ninotchka e o trio de enviados de Moscou. Como
poderiam eles resistir à dança, à música e à Cidade-Luz, mais ainda se a música
for de Cole Porter e Fred Astaire estiver dançando. Cole Porter não estava no
habitual estado de graça, mas “All of You” vale por todas as demais canções.
Esse clássico foi interpretado por Fred Astaire que se despediu da dança no
cinema com este filme, aos 58 anos de idade. Mas para compensar Cyd Charisse
está maravilhosa, dançando como nunca e exibindo o mais lindo par de pernas que
o cinema já viu, além de fazer um inesquecível (e até onde possível)
strip-tease. Tente reconhecer ‘M’ (Peter Lorre) divertidíssimo saltitando com
seus olhos esbugalhados ao som da deliciosa “Siberia”. Rouben Mamoulian dirigiu
o “Meias de Seda”, seu último filme. 8/10
Diretor:
Enganam-se aqueles que
acreditam que “Shane” foi o mais importante filme da carreira de Alan Ladd. Em
1941, depois de dez anos tentando em vão uma boa oportunidade no cinema (apareceu
até em “Cidadão Kane”) Ladd foi contratado pela Paramount para ser coadjuvante
num filme feito para Veronica Lake. Logo nas primeiras tomadas o diretor Frank
Tuttle percebeu que o personagem do assassino de aluguel ‘Raven’ deveria ser
expandido e Veronica passou para o segundo plano, assim como Robert Preston e
Alan Ladd domina o filme como o frio psicopata, numa interpretação primorosa, que jamais repetiria. O
enorme Laird Cregar faz um tipo acovardado e divertido, roubando todas as cenas
em que aparece. Concebido para ser um filme B, ao custo de 500 mil dólares, “Alma
Torturada” é um policial noir com ritmo, atmosfera e ação perfeitos nos seus 80
minutos de duração. Rendeu mais de 12 milhões de dólares em seu lançamento, catapultando
a carreira de Alan Ladd. A Paramount reuniu a dupla Lake-Ladd por mais três
vezes especialmente porque faziam um par perfeito ela com seu 1,51m de altura e
ele 1,63m. Curiosamente ambos faleceram aos 50 anos de idade, tendo os dois sérios
problemas com o alcoolismo. 8/10
Diretor:
Sam Peckinpah já havia dado
ao gênero western duas obras-primas com “Pistoleiros do Entardecer” (1962) e
“Meu Ódio Será Sua Herança” (1969). A expectativa com “Pat Garrett & Billy
the Kid” era que Peckinpah completasse com outro grande filme uma espécie de
trilogia sobre o fim do Velho Oeste falando de William Bonney, personagem
lendário cuja vida Hollywood nunca cansou de explorar. Criando com seu
temperamento explosivo os costumeiros problemas durante as filmagens, tudo se
agravou durante a produção com o então alcoolismo incontrolável de
Peckinpah. O esperado filme mostrou-se
incoerente, repleto de situações e personagens que pouco tem a ver ou
contribuem para a coesão do enredo e envolvimento do espectador. Há, como não
poderia deixar de ser, uma ou outra sequência que denunciam o talento de
Peckinpah, mas é pouco, mesmo na versão que a Turner lançou como sendo a
‘director’s cut’, com 115 minutos de duração. Peckinpah se esqueceu de Billy
the Kid e se concentrou no drama pessoal de Pat Garrett, esplendidamente vivido
por James Coburn. Um número enorme de formidáveis atores coadjuvantes são
desperdiçados em pontas insignificantes e Bob Dylan, autor da bela trilha
sonora musical tem uma insuperavelmente bizarra atuação. 6/10
Diretor: