Após sua notável estreia nas
telas (1946) sob a direção de Robert Siodmak em “Os Assassinos”, Burt Lancaster
voltou a ser dirigido pelo cineasta alemão em um novo ‘noir’ filmado em 1948. A
história se passa em Los Angeles e Lancaster é Steve Thompson, um guarda de
carros blindados obsessivamente apaixonado por Anna, sua ex-mulher (Yvonne De Carlo)
agora casada com o gângster Slim Dundee. A trama leva a um assalto tão bem
planejado na sua execução quanto na sucessão de traições. A sequência do roubo emociona
mesmo após vista repetidas vezes. O
final é dos mais trágicos dos filmes noir mas até chegar ao epílogo Siodmak prende
o espectador ao longo dos 88 minutos nos quais não faltam cinismo, infidelidade
e violência. E claro, o fatalismo inerente ao gênero. Cego de paixão, Thompson não
consegue ver quem, na realidade, é a mulher que ele ama, até que Anne lhe diz: “Você
simplesmente não sabe que espécie e mundo é este!” É o universo do filme noir
no qual ninguém é confiável, especialmente uma mulher bonita e ambiciosa. Um
show de enquadramento de câmeras, marca registrada de Siodmak, chama mais a
atenção que a atuação até discreta de Lancaster. Dan Duryea é excelente em seu
papel preferido e a surpresa é Yvonne De Carlo, mais linda que nunca, mostrando
que é boa atriz. 9/10
sexta-feira, 31 de janeiro de 2020
quarta-feira, 29 de janeiro de 2020
BRAVURA INDÔMITA (True Grit), 2010
Muitos se perguntaram se
era mesmo necessário revisitar a história de Charles Portis que se tornou um
dos maiores sucessos de John Wayne, inclusive dando a ele seu único Oscar.
Talvez não, mas o certo é que o remake de “Bravura Indômita” se juntou à
extraordinária lista de grandes filmes dos irmãos Ethan e Joel Coen. Jeff
Bridges recriou de forma admirável e com vantagem o personagem ‘Rooster’
Cogburn que, atendendo a menina Mattie Ross (Hailee Steinfeld), sai no encalço
do assassino do pai da garota. Bridges faz esquecer John Wayne, isto até a
memorável cena do enfrentamento contra o quarteto de bandidos em campo aberto
que, com o Duke, entrou para a galeria das sequências imortais do gênero. É aí
que vem a lembrança de John Wayne para roubar um pouquinho do brilho deste
western dos Coen. Por falar em Wayne, certamente John Ford assinaria a
engraçadíssima sequência do tribunal quando é apresentado o desleixado marshal
‘Rooster’ Cogburn, aquele que usa o tapa-olho, pragueja, bebe demais e é
impiedoso com os foras-da-lei. Além de Bridges e da ótima Hailee (13 anos
quando das filmagens) estão no elenco Josh Brolin e Matt Damon. Recebendo nada
menos que dez indicações para o Oscar, por ser um western “Bravura Indômita”
não ganhou nenhum, o que não impediu que esta produção de Steven Spielberg o
deixasse ainda mais rico pois foi um sucesso absoluto de bilheteria. 9/10
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020
DEU A LOUCA NO MUNDO (It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World), 1963
O diretor-produtor Stanley
Kramer realizou inúmeros filmes abordando questões de cunho social e todos
altamente polêmicos. A crítica nem sempre foi generosa ao comentar seus
filmes e então Kramer decidiu produzir e dirigir uma comédia que deveria se
chamar “Algo Menos Sério”. O projeto tomou formas de superprodução e o título
final afirmava que o mundo é muito, muito, mas muito louco, isto para contar a
história simples de um grupo heterogêneo de pessoas, todas com uma única
intenção que é a de descobrir um tesouro de 350 mil dólares (hoje, corrigidos,
seriam três milhões de dólares) enterrado sob um ‘Big W’, em Santa Rosita, na
Califórnia. Paradoxalmente a comédia de Kramer parte de um dos piores defeitos
do ser humano, que é a ganância, mas quem tem tempo para pensar nisso quando o
filme faz rir durante toda a longa aventura do grupo? Kramer pode não ter
realizado a melhor de todas as comédias, mas remeteu o público a momentos engraçadíssimos
com o estelar elenco que reuniu e a ação continuada de tirar o fôlego. Spencer
Tracy é o chefe de polícia e praticamente todos os comediantes do cinema e da
TV daquele tempo tiveram participação maior ou simples pontas, como Buster
Keaton e Jerry Lewis. Exibida no cinema com mais de três horas de duração, as
cópias existentes chegam a reduzir esta delirante comédia em até uma hora. 9/10
quarta-feira, 15 de janeiro de 2020
PRIVILÉGIO (Privilege), 1967
É curioso este filme ter
causado tão grande impacto quando de seu lançamento, isto porque, a esse tempo,
astros do rock e anteriormente do rock’n’roll eram mais conhecidos pela
rebeldia que pelo conformismo expresso na maior parte da película. “Privilégio”
trata da manipulação de um cantor, o mais famoso de uma Inglaterra em tempos da
Swinging London, por parte daqueles que guiam sua carreira. O grande ídolo do
momento na Inglaterra é Steven Shorter (Paul Jones) e a Igreja e o Estado, em
conluio com seus empresários e ainda com os investidores, todos inescrupulosos,
usam-no para encaminhar os movimentos sociais que lhes interessam. O cantor tem
sua imagem violenta convertida em arauto da igreja, da paz e até mesmo adquirindo
milagrosos poderes de cura. Todos ganham com isso mas não contam que Shorter, apoiado
pela namorada Vanessa Ritchie (Jean Shrimpton), reflete e decide ser ele mesmo
e não mais a marionete na qual o transformaram. Isso significa o seu fim
artístico e em menos de um ano Shorter não passa de uma mera lembrança. O
diretor Peter Watkins consegue duas ou três sequências que impressionam
bastante mas o filme é, em seu conjunto, inconvincente. Paul Jones, que era vocalista
da banda Manfred Mann, e Jean Shrimpton, então a mais famosa modelo daquela
década, surpreendem por interpretarem bastante bem seus personagens. 6/10
sexta-feira, 10 de janeiro de 2020
IRMÃO SOL, IRMÃ LUA (Brother Sun, Sister Mon), 1972
Franco Zefirelli passou de
diretor de óperas a diretor de filmes levando magnificamente Shakespeare às
telas com “A Megera Domada” e “Romeu e Julieta”, especialmente este último que
alcançou enorme sucesso de público. Para seu terceiro filme Zefirelli decidiu
filmar a vida de Francisco de Assis, um dos santos mais admirados da Igreja Católica.
“Irmão Sol, Irmã Lua” resultou num filme desigual contendo alguns momentos admiráveis,
embalados por uma trilha sonora enternecedora (Donovan) e fotografia igualmente
muito bonita. A produção muito bem cuidada e os cenários, parte deles naturais
da Toscana, fruto de uma direção de arte primorosa, não são acompanhadas por
diálogos à altura e que por momentos se tornam enfadonhos de tão repetitivos na
intenção de situar o apego de Francisco (Graham Faulkner) aos pobres e doentes.
Os jovens atores principais não foram escolhas das mais felizes, tanto que
sequer fizeram carreira no cinema. Para compensar há a pequena mas ótima
participação de Alec Guinness como o Papa Inocêncio III e ainda a de Valentina
Cortese como a mãe de Francisco. À época chegou-se a dizer que o filme de
Zefirelli seria uma metáfora ao movimento hippie dos anos 60, mas católico
fervoroso (e homossexual) que era, o diretor quis mesmo fazer o filme
definitivo sobre a vida do santo. Impossível não se emocionar com a sublime
música de Donovan. – 7/10
segunda-feira, 6 de janeiro de 2020
A MORTE NUM BEIJO (Kiss me Deadly), 1955
Mickey Spillane é um dos
dez autores que mais venderam livros em todos os tempos nos USA. Isto mesmo
sendo considerado um escritor de histórias policiais de segunda categoria,
incomparavelmente inferior a Dashiell Hammett e Raymond Chandler. O detetive
particular Mike Hammer, principal personagem de muitos livros de Spillane é cínico,
sádico, paranóico e era assim que agradava e até hoje agrada aos leitores. Mike
Hammer, interpretado por Ralph Meeker, foi levado ao cinema por Robert Aldrich em
1955, em “A Morte num Beijo”, já nos estertores do filme noir e mesmo assim se
tornou o mais influente filme do gênero. De Godard a Tarantino, muitos
diretores copiaram a singularidade de “Kiss me Deadly”, não apenas influente
como o mais brutal, assustador e inovador de todos os ‘noirs’. Desde as imagens
iniciais com uma mulher descalça correndo desesperada em uma rodovia até o
final apavorante, Aldrich exaspera o espectador através das muitas mortes e
torturas chocantes, algumas destas infligidas pelo próprio detetive durão.
Obviamente em preto e branco, filmado em grande parte nas ruas, tem, ao lado dos
clássicos gângsters, agentes interessados em uma mala com material radiativo e
ainda diversas mulheres fatais. “A Morte num Beijo” é um dos grandes clássicos
da década e do gênero e uma atração à parte são os carros esporte que Mike
Hammer utiliza (Jaguar, Corvette e um MG). 9/10.
domingo, 5 de janeiro de 2020
A DAMA DO LOTAÇÃO, 1978
Nelson Rodrigues, nosso
maior dramaturgo, também escreveu contos quando trabalhou na Última Hora
(1951/1960). Sua seção nesse jornal se chamava ‘A vida como ela é’ e um dos contos
publicados foi “A Dama do Lotação”, adaptado para o cinema por Neville d’Almeida
em 1978. O diretor foi acusado de plagiar “A Bela da Tarde”, de Luís Buñuel,
filme famoso lançado em 1967. Ocorre que “A Bela da Tarde” foi um romance
escrito por Joseph Kessel em 1928 e fica a dúvida: teria Nelson Rodrigues lido
esse livro e se inspirado para escrever a história da mulher casada que não
sentindo prazer com o marido passa a buscar satisfação com amantes desconhecidos
que encontra? A grande sacada de Nelson Rodrigues foi o fetiche de Solange
(Sonia Braga) procurar homens em transportes coletivos, a lotação do título. Os
homens que a levam a motel como o melhor amigo do marido e o próprio sogro não lhe
dão prazer como os anônimos passageiros dos ônibus. Muitos dos elementos comuns
à obra de Nelson Rodrigues, especialmente a hipocrisia da classe média e sua
visão das mulheres, estão presentes neste filme amoral que alcançou enorme sucesso.
Sonia Braga belíssima e esbanjando sensualidade têm, pelas mãos do diretor, as
mais excitantes sequências lúbricas que nosso cinema já mostrou. Memorável a canção-tema de Caetano Veloso. 7/10
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