sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

BAIXEZA (Criss Cross), 1949


Após sua notável estreia nas telas (1946) sob a direção de Robert Siodmak em “Os Assassinos”, Burt Lancaster voltou a ser dirigido pelo cineasta alemão em um novo ‘noir’ filmado em 1948. A história se passa em Los Angeles e Lancaster é Steve Thompson, um guarda de carros blindados obsessivamente apaixonado por Anna, sua ex-mulher (Yvonne De Carlo) agora casada com o gângster Slim Dundee. A trama leva a um assalto tão bem planejado na sua execução quanto na sucessão de traições. A sequência do roubo emociona mesmo após vista repetidas vezes.  O final é dos mais trágicos dos filmes noir mas até chegar ao epílogo Siodmak prende o espectador ao longo dos 88 minutos nos quais não faltam cinismo, infidelidade e violência. E claro, o fatalismo inerente ao gênero. Cego de paixão, Thompson não consegue ver quem, na realidade, é a mulher que ele ama, até que Anne lhe diz: “Você simplesmente não sabe que espécie e mundo é este!” É o universo do filme noir no qual ninguém é confiável, especialmente uma mulher bonita e ambiciosa. Um show de enquadramento de câmeras, marca registrada de Siodmak, chama mais a atenção que a atuação até discreta de Lancaster. Dan Duryea é excelente em seu papel preferido e a surpresa é Yvonne De Carlo, mais linda que nunca, mostrando que é boa atriz. 9/10




quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

BRAVURA INDÔMITA (True Grit), 2010


Muitos se perguntaram se era mesmo necessário revisitar a história de Charles Portis que se tornou um dos maiores sucessos de John Wayne, inclusive dando a ele seu único Oscar. Talvez não, mas o certo é que o remake de “Bravura Indômita” se juntou à extraordinária lista de grandes filmes dos irmãos Ethan e Joel Coen. Jeff Bridges recriou de forma admirável e com vantagem o personagem ‘Rooster’ Cogburn que, atendendo a menina Mattie Ross (Hailee Steinfeld), sai no encalço do assassino do pai da garota. Bridges faz esquecer John Wayne, isto até a memorável cena do enfrentamento contra o quarteto de bandidos em campo aberto que, com o Duke, entrou para a galeria das sequências imortais do gênero. É aí que vem a lembrança de John Wayne para roubar um pouquinho do brilho deste western dos Coen. Por falar em Wayne, certamente John Ford assinaria a engraçadíssima sequência do tribunal quando é apresentado o desleixado marshal ‘Rooster’ Cogburn, aquele que usa o tapa-olho, pragueja, bebe demais e é impiedoso com os foras-da-lei. Além de Bridges e da ótima Hailee (13 anos quando das filmagens) estão no elenco Josh Brolin e Matt Damon. Recebendo nada menos que dez indicações para o Oscar, por ser um western “Bravura Indômita” não ganhou nenhum, o que não impediu que esta produção de Steven Spielberg o deixasse ainda mais rico pois foi um sucesso absoluto de bilheteria. 9/10




quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

DEU A LOUCA NO MUNDO (It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World), 1963



O diretor-produtor Stanley Kramer realizou inúmeros filmes abordando questões de cunho social e todos altamente polêmicos. A crítica nem sempre foi generosa ao comentar seus filmes e então Kramer decidiu produzir e dirigir uma comédia que deveria se chamar “Algo Menos Sério”. O projeto tomou formas de superprodução e o título final afirmava que o mundo é muito, muito, mas muito louco, isto para contar a história simples de um grupo heterogêneo de pessoas, todas com uma única intenção que é a de descobrir um tesouro de 350 mil dólares (hoje, corrigidos, seriam três milhões de dólares) enterrado sob um ‘Big W’, em Santa Rosita, na Califórnia. Paradoxalmente a comédia de Kramer parte de um dos piores defeitos do ser humano, que é a ganância, mas quem tem tempo para pensar nisso quando o filme faz rir durante toda a longa aventura do grupo? Kramer pode não ter realizado a melhor de todas as comédias, mas remeteu o público a momentos engraçadíssimos com o estelar elenco que reuniu e a ação continuada de tirar o fôlego. Spencer Tracy é o chefe de polícia e praticamente todos os comediantes do cinema e da TV daquele tempo tiveram participação maior ou simples pontas, como Buster Keaton e Jerry Lewis. Exibida no cinema com mais de três horas de duração, as cópias existentes chegam a reduzir esta delirante comédia em até uma hora. 9/10


quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

PRIVILÉGIO (Privilege), 1967


É curioso este filme ter causado tão grande impacto quando de seu lançamento, isto porque, a esse tempo, astros do rock e anteriormente do rock’n’roll eram mais conhecidos pela rebeldia que pelo conformismo expresso na maior parte da película. “Privilégio” trata da manipulação de um cantor, o mais famoso de uma Inglaterra em tempos da Swinging London, por parte daqueles que guiam sua carreira. O grande ídolo do momento na Inglaterra é Steven Shorter (Paul Jones) e a Igreja e o Estado, em conluio com seus empresários e ainda com os investidores, todos inescrupulosos, usam-no para encaminhar os movimentos sociais que lhes interessam. O cantor tem sua imagem violenta convertida em arauto da igreja, da paz e até mesmo adquirindo milagrosos poderes de cura. Todos ganham com isso mas não contam que Shorter, apoiado pela namorada Vanessa Ritchie (Jean Shrimpton), reflete e decide ser ele mesmo e não mais a marionete na qual o transformaram. Isso significa o seu fim artístico e em menos de um ano Shorter não passa de uma mera lembrança. O diretor Peter Watkins consegue duas ou três sequências que impressionam bastante mas o filme é, em seu conjunto, inconvincente. Paul Jones, que era vocalista da banda Manfred Mann, e Jean Shrimpton, então a mais famosa modelo daquela década, surpreendem por interpretarem bastante bem seus personagens. 6/10



sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

IRMÃO SOL, IRMÃ LUA (Brother Sun, Sister Mon), 1972


Franco Zefirelli passou de diretor de óperas a diretor de filmes levando magnificamente Shakespeare às telas com “A Megera Domada” e “Romeu e Julieta”, especialmente este último que alcançou enorme sucesso de público. Para seu terceiro filme Zefirelli decidiu filmar a vida de Francisco de Assis, um dos santos mais admirados da Igreja Católica. “Irmão Sol, Irmã Lua” resultou num filme desigual contendo alguns momentos admiráveis, embalados por uma trilha sonora enternecedora (Donovan) e fotografia igualmente muito bonita. A produção muito bem cuidada e os cenários, parte deles naturais da Toscana, fruto de uma direção de arte primorosa, não são acompanhadas por diálogos à altura e que por momentos se tornam enfadonhos de tão repetitivos na intenção de situar o apego de Francisco (Graham Faulkner) aos pobres e doentes. Os jovens atores principais não foram escolhas das mais felizes, tanto que sequer fizeram carreira no cinema. Para compensar há a pequena mas ótima participação de Alec Guinness como o Papa Inocêncio III e ainda a de Valentina Cortese como a mãe de Francisco. À época chegou-se a dizer que o filme de Zefirelli seria uma metáfora ao movimento hippie dos anos 60, mas católico fervoroso (e homossexual) que era, o diretor quis mesmo fazer o filme definitivo sobre a vida do santo. Impossível não se emocionar com a sublime música de Donovan. – 7/10




segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

A MORTE NUM BEIJO (Kiss me Deadly), 1955


Mickey Spillane é um dos dez autores que mais venderam livros em todos os tempos nos USA. Isto mesmo sendo considerado um escritor de histórias policiais de segunda categoria, incomparavelmente inferior a Dashiell Hammett e Raymond Chandler. O detetive particular Mike Hammer, principal personagem de muitos livros de Spillane é cínico, sádico, paranóico e era assim que agradava e até hoje agrada aos leitores. Mike Hammer, interpretado por Ralph Meeker, foi levado ao cinema por Robert Aldrich em 1955, em “A Morte num Beijo”, já nos estertores do filme noir e mesmo assim se tornou o mais influente filme do gênero. De Godard a Tarantino, muitos diretores copiaram a singularidade de “Kiss me Deadly”, não apenas influente como o mais brutal, assustador e inovador de todos os ‘noirs’. Desde as imagens iniciais com uma mulher descalça correndo desesperada em uma rodovia até o final apavorante, Aldrich exaspera o espectador através das muitas mortes e torturas chocantes, algumas destas infligidas pelo próprio detetive durão. Obviamente em preto e branco, filmado em grande parte nas ruas, tem, ao lado dos clássicos gângsters, agentes interessados em uma mala com material radiativo e ainda diversas mulheres fatais. “A Morte num Beijo” é um dos grandes clássicos da década e do gênero e uma atração à parte são os carros esporte que Mike Hammer utiliza (Jaguar, Corvette e um MG). 9/10.



domingo, 5 de janeiro de 2020

A DAMA DO LOTAÇÃO, 1978


Nelson Rodrigues, nosso maior dramaturgo, também escreveu contos quando trabalhou na Última Hora (1951/1960). Sua seção nesse jornal se chamava ‘A vida como ela é’ e um dos contos publicados foi “A Dama do Lotação”, adaptado para o cinema por Neville d’Almeida em 1978. O diretor foi acusado de plagiar “A Bela da Tarde”, de Luís Buñuel, filme famoso lançado em 1967. Ocorre que “A Bela da Tarde” foi um romance escrito por Joseph Kessel em 1928 e fica a dúvida: teria Nelson Rodrigues lido esse livro e se inspirado para escrever a história da mulher casada que não sentindo prazer com o marido passa a buscar satisfação com amantes desconhecidos que encontra? A grande sacada de Nelson Rodrigues foi o fetiche de Solange (Sonia Braga) procurar homens em transportes coletivos, a lotação do título. Os homens que a levam a motel como o melhor amigo do marido e o próprio sogro não lhe dão prazer como os anônimos passageiros dos ônibus. Muitos dos elementos comuns à obra de Nelson Rodrigues, especialmente a hipocrisia da classe média e sua visão das mulheres, estão presentes neste filme amoral que alcançou enorme sucesso. Sonia Braga belíssima e esbanjando sensualidade têm, pelas mãos do diretor, as mais excitantes sequências lúbricas que nosso cinema já mostrou. Memorável a canção-tema de Caetano Veloso. 7/10